sábado, setembro 11, 2010

UMA HISTÓRIA: No segredo da consciência

Conta-se que diante da prisão o individuo é levado a pensar sua vida. Os momentos últimos, os argumentos dos últimos tempos. Certamente deve ser assim. Aqui, distante dos olhares e comentários, histórias são contadas sobre aquele que esteve em meio. Quanto desenrolar sobre a pessoa que aqui está impedida do mundo. Guardo em mim certas lembranças, no fogo de minha consciência que urge meus argumentos. De quanto falta bem pouco ou muito para reagir às muitas vozes que pressinto e não ouço, quantas especulações sobre que fui e sou. Nem sei. O vão das horas correm iguais. E eu aqui, desse jeito, estou assim, sem chão. De quem dependo, confia em mim?  Quais caminhos de coisas escritas poderei seguir, usando a escrita da justiça dos homens. Quem serei eu diante disso? Aqui está tão calmo, quieto o lugar. Não me falam nada trancas, grandes, sentidos aprisionados. Mas não vejo paz, mesmo com essa calma de coisas contidas, não vejo paz. Falo em um tom mais comedido para que não me entenda mal. Bem compassado assim para que não me tomem pela rapidez do pensamento. Mas, perdido aqui... Solitário é o idílio, assim como é o desterro. A essa hora , plena madrugada, dorme o mundo que conheço. Há quem esteja apontando flechas para mim. Milhões de ilusões perdidas na fonte. Nada mudará por minha promessa. A imagem fica diante do absurdo que se sucedeu. A opinião de quem vale nesse cenário? Nem a minha, nem de tantos outros como eu, agora, nesse momento.  Peça da crença popular por justiça, cá estou. Um desenganado pelos próprios enganos afamados, guardados em pose de teatro trágico mundano e irretocável. Mais um pouco não seria trágico, mas comédia. E alguns se riem de mim. Pobre coitado sou eu. Nem me adianto caio com meus próprios pés. Contido pela sanha dos muitos valores que a vida nos ensina a querer ter. Coisas tão significantes que aqui, agora, nesse momento, nada valem. Assim como na vida, assim como no cadafalso. Reais suplicas ao populacho. Nada a dizer, temer tanto de mim. Do que serei capaz não sendo eterno. Será que meu professor esqueceu-se de dizer como é viver a condição de desvalido da liberdade? Que lição será essa? Qual tomo não li? Qual relatório? Dois momentos guardo na memória: aquele exato do delito, repetido, retomado, em conluio, parceiros valorosos até mesmo na alegria, na prisão; outro, a falta que enche, da angustia do desaviso. Os momentos anteriores a tudo, quando ainda há um momento de escolha. Quero não quero, até onde ir. Mas é incrível. Aprecio esse momento de enfado. Nem sono, nem vontade. Parece que o mundo para por um tempo. Tantos movimentos de apelos, movimentos que conheço muito bem, venho me preparando em meio. Coisas das artimanhas negociadas. Há que ser cuidadoso, atento, mas... Bom, não sei... Alguma coisa fugiu da realidade desses combinados. Em algum momento o coletivo operante não fez bem o que tinha que fazer. Morremos na praia. Será? Tanto planejamento para alcançar novos patamares, tanta estratégia em salas de combinação. Mas tudo, em vésperas de vitória já esperada, vários do grupo caem. Caímos por terra, vaidades no alto. Não sei. Parar pra pensar é meio constrangedor. Já está tarde na madrugada, suponho. Agora a pouco passou perto de onde estou um guardador de rebanhos revoltos. Olhou-me, nada há que ser dito. Aqui estão os que faltam ou se deixam alcançar. Onde reviver a imagens de potência de algum tempo atrás? Ah, essa consciência, sabe o que os outros especulam, procuram. É... Que estou fazendo aqui? Deus! Ajuda, senhor! As falhas cometidas são... Sei, imperdoáveis. O tanto dito aos quatro ventos diziam verdades... Deus. Fechar os olhos é dar luz a tudo, mais claras imagens. Nem durmo, ouço mais movimentos. Provável dia amanhecendo. Falas ao longe. O peso do encontro com outras consciências observando, criando juízos pelos que estão ali e me incluo. O erro, a queda, a punição, a perda da liberdade, o encarceramento. Quem de nós agora não deve estar repetindo esse exame de consciência. Alguns se garantindo liberdade e imunidade em pouco tempo, outros mais distantes de qualquer maior vaidade. Mas acusados, manchados, maculados. Esse pensamento vai longe e volta. Não há tanta calma agora. Toma força da sugestão. O caminhar é vacilante em meio ao futuro próximo. Certamente nessa manhã noticias estampam os jornais, as crônicas nos lugares públicos, o uso deliberado de tudo. Agora esses que aqui estão, nós, somos enredo para as próximas semanas, tempo que se aproxima de um tempo que afasta de mim aquilo que minha consciência me provocava a ver. O olhar para o futuro parece não ser mais tão azul, pleno. Não sei. Hoje, agora, estou ainda pelas roupas amarrotadas, pelo espírito cansado, pela vontade caída que provoquei do dia de ontem. Alguma coisa ainda não terminou. Quando? Alguém se aproxima.
           - Chefia, acorda pra vida!

Luciano Magnus de Araújo, o editor – Da série “Mundo Pequeno”

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