domingo, abril 11, 2021

As estratégias das periferias urbanas e a pandemia

 

A vida em tempos de Covid-19 e variantes impõe desafios cotidianos para as populações das periferias. É imperativo que tenhamos em nossos contextos de reflexão e ação o entendimento que nem todos vivem de maneira igual os desafios e dramas postos em tempos de isolamento social, medidas restritivas, rotinas de trabalho, produção e circulação diversas.

O vírus é seletivo, ao mesmo tempo em que se mostra indistinto em sua atuação. A nocividade e alcance desse organismo que precisamos respeitar e combater mudou nossa maneira de estar no mundo e de nossa forma de construir perspectivas visando o hoje e o amanhã.

No Brasil de hoje as médias de morte se aproximam dos três mil mortos diários, já ultrapassaram a cifra de mais de quatro mil mortos em dias mais dramáticos. E quem são essas pessoas? Onde estão situadas essas pessoas quando se leva em consideração os mais diversos estratos sociais tendo em vista a economia, circulação e produtividade; os acessos aos meios estruturais de sobrevivência, os requisitos de condições básicas em ligação com politicas públicas?

Os dados sobre inclusão no mercado de trabalho, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) apontam 14,3 milhões de desempregados no primeiro trimestre (14, 2% da força de trabalho), fechado em janeiro, no Brasil. O desemprego leva a outras estratégias para geração de renda, que por sua vez promove demandas nos setores da economia quando se trata de gargalos de excesso de jornadas de trabalho ou mesmo subtrabalho. O cenário da informalidade não é menos afetado pelo stress da pandemia. Buscar inclusão, não encontrar renda, viver as carências estruturais são indicadores de que o tempo que vivemos é de desafios. Nisso vivemos entre demandas de emprego, desemprego, subemprego e precarização do trabalho.

Por outro lado, segundo dados do IBGE, por meio de dados da PNAD Contínua, o que temos em muitos estados do Brasil é a redução da informalidade, mas isso não equivale dizer o aumento de números de pessoas com registro de emprego. A pesquisa em domicílios revela que essas pessoas perderam seus postos de ocupação nos período que as pesquisas contemplam. No caso do Amapá em três momentos: 2018 (20.2%), 2019 (17,4) e 2020 (14,9) termos uma redução dessa informalidade o que aumenta a taxa de subutilização da força de trabalho compondo assim o percentual de pessoas desocupadas. A informalidade compõe um contingente de trabalhadores sem carteira assinada e empregadores sem CNPJ. Nesse mesmo sentido seria possível observar um contingente sem seguranças trabalhistas e garantias econômicas que em tempos de pandemia contextualiza as incertezas e dramas da insegurança alimentar que, se já atingia a cifra de 10,3 milhões de pessoas, em patamares graves em dados de 2018 (dados da Agência IBGE Notícias), nos permite imaginar que num cenário de restrições de atividades comerciais e condições normais de circulação tornam-se mais agudas.

Diante de tais cenários, nas sínteses e impessoalidades dos números, pessoas de carne e osso, mesmo que invisibilizadas nas periferias e agora descobertas ou incluídas por politicas públicas vacilantes e deficitárias, dão a tônica de episódios trazidos pelas intermitências da onipresença letal do vírus.

As periferias urbanas são compostas e vivamente dinamizadas por realidades que merecem valorosa e séria atenção. Essas populações que fazem parte de contingentes tão variados exigem iniciativas contundentes. Os atores e sujeitos das tramas periféricas das urbanidades protagonizam a urgência da vida, a criatividade das condições, os arranjos e estratégias que muitas das vezes o momento não negocia. Andar por essas localidades, observar, dialogar e construir laços de colaboração é de alguma forma estar em meio a movimentos que não eximem responsabilidades de agentes exteriores. Aqui não se pretende romantizar as periferias, mas apontar o quanto nesses lugares o que impera é a construção de saídas diante das suscetibilidades.

Com a pandemia vive-se em meio a decretos municipais ou estaduais que ora impedem o comércio para além de tal hora, por vezes veta as atividades nos finais de semana. Essas mesmas medidas dos gestores, por mais que necessárias para contenção do alcance da pandemia, nem sempre vem acompanhadas de auxílios para aquisição de itens básicos, como água potável, material de higiene, alimentos. A vulnerabilidade tornou-se explicita nas periferias das cidades. A solidariedade é força de vida. A informalidade e os movimentos para criação de alguma renda possível é urgente. E nesse sentido, redes sociais, grupo virtuais surgem como meios de divulgação de serviços, ofertas de vendas, um verdadeiro mercado de bens e trocas que sinalizam rearranjos em tempos onde espaços e movimentos para atividades comerciais normais estão descontinuadas. Acompanhar cotidianamente esses grupos nas redes sociais no mundo digital é ver como em mais de um ano de pandemia os processos se atualizam e ganham força.

De forma semelhante, mas ainda de maneira a destacar a força do presencial,  vemos a ação de grupos, coletivos, em associação, mobilizando doações e o trabalho de colaboradores e voluntários, deixando claro que, na incompetência e inação por parte de gestores públicos, iniciativas outras ocupam lacunas, criam capilaridades, chegam aos mais necessitados e formam lideranças e protagonistas. Para citar alguns atores e agentes organizados, alguns atuantes há tempos, outros que se organizam na contigência dos acontecimentos dão a tônica dessa força de mobilização: a CUFA (Central Única das Favelas) e seu alcance nacional; O G10favelas (grupo formado pelas favelas da Rocinha (RJ), Rio das Pedras (RJ), Heliópolis (SP), Paraisópolis (SP), Cidade de Deus (AM), Baixadas da Condor (PA), Baixadas da Estrada Nova Jurunas (PA), Casa Amarela (PE), Coroadinho (MA) e Sol Nascente (DF)); em ação local, a atuação do Coletivo Utopia Negra Amapaense, frente organizada que congrega ações politicas via o entendimento da negritude e que não se furtou a estar presente nesses processos de resistência e solidariedade junto às periferias de um estado periférico do norte do Brasil (um pais periférico), de maneira ativa, colaborativa e organizada.

Esses grupos e iniciativas somam ações, assim como tantas outras com número mais reduzido de participantes, ou de alcance menor, mas que congregam dinamizar, solidarizar, ocupar espaços na ausência ou demora de politicas públicas. As pautas são cotidianas, urgentes, de vida. A pandemia obriga movimento, ativas iniciativas, articula necessidades que se encontram no momento de sanam a carência de água para beber, a comida do dia na marmita, a cesta básica da família, o atendimento de saúde para os necessitados. Mas não são esses os limites, mudanças estruturais e conjunturais são as metas. Como dito, não se trata de romantizar a pobreza nem as periferias. As desigualdades são flagelos a serem mitigados e acabados, mas para isso é imperioso a participação do poder público, com politicas públicas eficientes e rápidas e uma sociedade que se veja no espelho dessas desigualdades.

      A pandemia é uma realidade, as periferias são parte da obra controversa de uma sociedade de exclusões, ausências de perspectivas, precariedades. Um dos desafios igualmente postos será explicar para as próximas gerações o que foi esse evento atroz, como resolvemos suas exigências e quem fomos nós no tempo que nos obrigava a viver em meio a perdas diárias, aprendizados por força do medo ou da descrença, desmandos negacionistas e necessidades gritantes. Se o futuro nos julgará, temos o aguardo do tempo, o hoje já mostra sua face austera.

Fonte da Imagem: https://vermelho.org.br/2020/05/26/na-ausencia-do-estado-periferias-se-organizam-para-enfrentar-pandemia/ 

Respiros

- Problemas de transmissão de energia mostram ser um dos fantasmas que assolam o Amapá: mais um momento de apagão em quase todo o estado;

- De segunda à sexta espera os respiros criativos do sábado e domingo;

- Que consigamos todos superar as saudades das perdas;

- Acreditar mais nos alunos que nos professores;

- Quando a instituição de ensino deseduca em seus processos burocráticos, quê fazer?

- Leia, comente, compartilhe.

domingo, abril 04, 2021

Atuações, profissões e desafios nos gargalos da pandemia

 


     Não é de hoje que observamos, por conta da pandemia, os mais diversos dramas decorrentes de um tempo de desafios. De perto ou mais distante o que ilustra, figura, protagoniza, grita em seus lugares de vivência, torna explicito o que ainda nos surpreende e atinge a todos, de alguma forma, indistintamente. Nesse sentido, não custa um tanto mais de reflexão, ainda porque temos nesses cenários diversos, trazidos e transformados pelo Covid-19, processos já aprendidos e apreendidos, mas ainda muitas dúvidas e inconsistências.

     Todos precisamos ganhar a vida, obviedade. O trabalho, o sustento, a economia micro, pequena, média, grande, nos exige trânsitos e estratégias, e vale refletir sobre como entendemos as maneiras que profissionais e trabalhadores constituem suas atividades em nosso tempo mais que preocupante. Nesse quesito certamente é preciso não perder de vista a qualidade do trabalho (quando ainda há trabalho), do vinculo, da atividade, da atuação geradora dos meios necessários para viver ou sobreviver. Nessa condição, da existência da possibilidade de se organizar a vida tendo, também, a exigência de se cumprir uma jornada de trabalho, devemos falar, por exemplo, da realidade remota dessas atividades e suas implicações e desdobramentos; das profissões da grande impacto de stress; da informalidade e seus movimentos; da precarização e suas perversidades e sutilezas. Todos esses contextos recortados pelas pressões psicológicas diárias são realidades que mais ou menos temos alguma relação ou proximidade.

     Tivemos que aprender a trabalhar à distância, e aqui é preciso tratar do grande grupo, que incluído nas cifras da empregabilidade, conseguem, ou estão tentando, cumprir produtividade, prazos, motivação, função social. E aqui é preciso insistir sobre o grupo dos que somam as fileiras que possuem o privilégio de uma fonte de renda, com contrato de trabalho ou carteira assinada, que garanta a manutenção da vida, que podem assumir o tão solicitado mantra de ficar em casa e se cuidar.

     Hoje, para citar algumas atividades, profissionais da educação, certos serviços burocráticos, sejam públicos ou privados precisaram organizar-se em meio a modalidades de trabalho remoto no então espaço privado do lar. A casa já não é o lugar onde se pode desligar das relações e rotinas impessoais dos ambientes de trabalho. O lar tornou-se extensão da empresa, da repartição, da sala de aula, com tantos arranjos dos espaços de trabalho que a pandemia exigiu ser modificada e resignificada. E é nesse ponto que temos problemas já sendo vivenciados e em potencial. A exigência de aprender a ser e estar no mundo digital, condição do trabalho remoto, demanda novas competências e condições estruturais. Saber conviver com plataformas e rotinas entre sincronias a assincronias, ou seja, atividades presenciais ou não, leva a outras temporalidades nos cenários domésticos. O email ou mensagem que se recebe fora de hora (que hora é fora de hora atualmente?), retorno de dúvidas e esclarecimentos; o comércio que por meio das redes sociais não deixa descansar quem protagoniza o tão propagado chão do empreendedorismo cheio de contradições.  Desafios no nosso tempo em desdobramento e campo farto para análises e estudos.

     O trabalho de quem está nas linhas de frente nos contextos da saúde é angustiante, nos chega de maneira profusa noticias dessa realidade. Adoecemos somente em nos atualizarmos sobre os tantos e tantos casos de infecção e morte diariamente, imagine viver esses eventos de perto, no protagonismo de plantões de pleno cansaço e muitas vezes impotência. As condições estruturais, as carências locais e regionais, os negacionismos e irresponsabilidades são forças que competem com o trabalho abnegado dos coletivos de profissionais da saúde. E desses, muitos estão doentes, não necessariamente pelo vírus, mas pela sobrecarga de trabalho, em grande parte decorrente da falta de consciente adesão da população brasileira em não subestimar o alcance da doença. Nesse caso, são várias lutas sendo travadas ao mesmo tempo. Nem por isso gestores públicos, em várias instâncias, colaboram positivamente. Muitas vezes são decisivos em atuar para que o vírus tenha uma robusta ajuda em sua severa atuação. Assim estamos em desvantagem.

     Trabalhadores sem vinculo formal e precarizados não estão distantes de viverem e testemunharem condições insalubres. Um contingente vasto da população brasileira está, de alguma maneira, protagonizando o desafio de criar estratégias de sobrevivência. A falta de segurança de uma fonte de renda repercute por meio de comércio fechado, cidades sem atividades comerciais, ruas paralisadas ou em ensaios muitas vezes revelando desastradas decisões. Ainda que seja preciso parar para conter o avanço da doença. Ainda que sem renda, como manter o mínimo indispensável para viver? A encruzilhada está posta.

     Aliado a esse conjunto de problemas e ainda fazendo referência a perda do poder aquisitivo pela ausência de renda, some-se um conjunto de politicas públicas ineficientes, quando muito paliativos em meio a lutas justas, por um lado, e má vontade, por outro. Os auxílios governamentais mostraram uma sociedade brasileira invisibilizada, mas ao mesmo tempo deixou claro que, em situação de calamidade econômica e sanitária, para uma considerável parcela da população e para pequenos e micro comerciantes, sem a ajuda de um governo afinado com os desafios de nosso momento, não há tranquilidade num cenário próximo.

     Não é somente tratar de números (seja de contaminados, óbitos, desempregados, desassistidos), mas é preciso levar em consideração que as ideias que circulam podem ser tão nocivas quanto o vírus onipresente. Estamos aprendendo a lidar com formas diferentes de sociabilidade. O momento e lugar da vida privada já é outro. A experiência de trabalho agudizou cenários com outras precarizações que revelam as tecnologias como meio controversos. As relações, aproximações, reuniões, o estar em meio, seja na casa ou na rua, certamente nunca mais será uma experiência que não inclua algum dos elementos que estão hoje em nosso imaginário: distância, máscara, contágio, negação, vírus, morte e vida. E ainda estamos aprendendo a duras penas.

Respiros

- Nos grupos em redes sociais observamos movimentos de conversações, incômodos,     estratégias e saídas reveladoras;

- Há um silêncio na vizinhança, nunca mais se ouviu música em altos volumes. Parece que vigora um respeito tácito. Ou será tristeza diante dos números diários;

- A casa é um mundo, encontramos multidões e faltas;

- Precisamos de vacinas!;

- Um exercício de escrita é retomado;

- Saudades da senhora, Vovó Lagoa: 04/04/1924!;

 - O corpo ainda é pouco. 


Fonte da imagem: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/futuro-do-marketing/eficiencia-criativa/4-dicas-para-manter-produtividade-no-home-office/