quinta-feira, maio 28, 2015

UM POEMA - Debaixo da ponte

Aos poucos vai se desgarrando
daquilo que antes era de importância e luta. 
Deixando de lado os planos escritos 
e desenhando sem deixar rastros
outras caminhadas. 
Soltando mãos e desejos, 
aliviando passos para nem mesmo na terra
deixar sinal de incômodo.
Aos poucos vai desaprendendo as vaidades.
Respirando de fato o ar, coisa mais importante.
Sem títulos, sem valores, sem comparativos, 
sem agendamentos, sem resquício de luxo,
somente a leveza da não promoção.
Sem esperar admirado reconhecimentos, 
nada de modéstia por não ter mais obra,
distante da angústia do tempo que 
se fazia pela necessidade de fazer necessário, 
acabando está essa rotina. 
Aos poucos começa a ser somente orgânico,
uma vida calma sem esperar nas pessoas,
em si, nas coisas, no tempo, 
é um desapego que vai ocorrendo
sem que mágoas ou sentimentos de não realização
batam a porta. 
Nem caminhar não custa sorrir,
não custa acenar carinhosamente,
não custa deixar de opinar para todos os cantos
aquilo que se ignora na fonte.
Aos poucos esse rio está correndo...

quarta-feira, maio 27, 2015

ARTIGO DA QUARTA - Conscientização em tempos de intolerâncias

          Quanto vale um indivíduo consciente? Em um atual mundo onde as bravatas são explicitas indicações da pobreza cultural e política de camadas da população que teriam plenas condições de fazerem o movimento diferente daquele que se aproxima e avizinha da mediocridade. Quanto vale um individuo consciente?
            As realidades, tendo em vista que a perspectiva é pluridimensional, nos permitem observar o panóptico da vida social como num filme, mas nada linear. Passa diante de nossos olhos enredos e dramas, conjurações e gritos. Entender o novelo e seu emaranhando das práticas sociais é o desafio corrente. Mas é bem certo que o cotidiano sufoca o individuo. Quando sintonizamos certos canais de televisão, quando compramos certas revistas e jornais, quando defendemos e compartilhamos certas opiniões como se fossem nossas, originais, muitas vezes não nos damos conta do quanto somos coniventes com certas conjunturas. Os movimentos coletivos hoje são condições a serem atentamente observadas. As práticas institucionais são desdobramentos a serem cuidadosamente observadas. Devemos entender que o membro de uma organização não é somente uma individualidade, ele representa também uma ideia, uma predisposição, mesmo que hoje tenhamos hibridismos, mesclas, coisas impuras nas ações desses coletivos, sejam políticos, burocráticos, estatais, culturais, econômicos. Recai para todos e cada um o desafio da interpretação. Mas como interpretar, como entender aquilo que é de difícil entendimento tendo em vista ser muitas vezes criado para não ser fácil, claro, transparente? Permanece a questão, quanto vale um individuo consciente?
            Mas o que seria ser consciente em dias de hoje, século XXI, num pais dito emergente, numa economia que inclu-exclui, numa realidade política que caminha entre o claro-escuro, drama-comédia, numa dimensão social que conjura-afaga quando é conveniente?
            A politica enganosa do voto, o desserviço de poderes públicos cuja representação é pífia, quando nenhuma; a aura de ordenação de um Estado em ampla atividade manipulada por interesses abortando o ideal do bem comum. Uma lista de indignações pode seguir quando se coloca na mesa a insatisfação do coletivo, de certas camadas do coletivo. E até mesmo a natureza da insatisfação precisa ser relativizada. Algumas parcelas dessa população trilham caminhos que merecem observações. Qualquer conversa que se desenvolva em mesa de bar, em roda descontraída de amigos e amigas resvala para o tema político-econômico, e em meio às violências tantas. Os argumentos levantados cumprem cartilhas as mais diferentes. O mote sempre será as insatisfações individuais como janelas para se entender apelos de maioria ou de uma totalidade. Argumentos convincentes, convencidos, vividos, especulados, numa ampla gama de cores, são postos.
            Nesse interim toda a violência causada é como o recheio de comida indigesta. A violência que alcança os indivíduos ao serem explorados em seus postos de trabalho, as apropriações indevidas do bem público, o pai de família que é assassinado a queima roupa na periferia, o cidadão que é esfaqueado em seu momento de lazer no bairro nobre, as faltas de infraestrutura básica nas cidades, a representatividade sem valor do político que não vê quem o escolheu, homenagens indevidas em câmaras e assembleias de representação ofertadas a figuras de caráter público duvidoso... Mas, é preciso pensar, o que está como ingrediente fundamental desse cotidiano. Por que existem corruptos? Por que existem assassinos, menores ou não? Por que existe ou resiste esse incómodo entre o que devemos fazer-pensar e não sabemos definir o que seja? Há uma base profícua para a intolerância nesse não saber, fortalece-se certa revolta como revide e vingança nesse contexto.
            O incomodo posto ainda não está sendo refletido, pensado em suas causas. Pensamos e sofremos as consequências, mas as causas estão ali, gritando, evidentes, mas ainda fazemo-nos de olhos cegos-ouvidos surdos. Causas pequenas compõem vastos dramas. A morte de alguém pode repercutir urgentemente nos meios de comunicação, a morte de vários ‘ninguéns’, no máximo, tornar-se-á estatística fria e sem nenhum incômodo. Quem defende o assassino menor pela sua origem? Quem busca a origem sociocultural desse menor? Quem busca o maior abandonado pelas politicas publicas ineficientes. A carta maior quando diz sobre todos os direitos fundamentais, direitos, quando esses são de fato realidade? O discurso corrente hoje é penalização; pena para quem, cara pálida? O cidadão comum deixou, faz muito tempo, de ser inocente. Repartamos a culpa igualmente. Somos todos culpados pela propriedade, pelo individualismo, pela opinião de todos os dias, pelo conforto egoísta, pelo-não-fazer-por-não-ser-culpa-minha-nem-da-minha-conta. E assim posso ser acusado de resvalar no mundo comum, comunista, de todos igualmente. Será que estamos preparados para isso? Muitos dirão, como se fizessem o sinal da cruz: “Deus me livre de uma sociedade comunista-socialista”. Digo: “Deus me livre de um mundo competitivo, egoísta, de indivíduos apartados como é esse nosso”.
Mas isso repercute para quem quando se fala assim? Um indivíduo livre e emancipado veria tudo isso de maneira diferente? Ainda uma velha utopia de uma sociedade contrária à imagem do homem sendo o lobo do homem é algo irrealizável? Que ilusão é essa que ainda temos que vivemos em uma sociedade ordeira? Vivemos um modelo corrompido socialmente, um silencioso caos de procedimentos que vai nos calando todos os dias. Somos nós os agentes da violência. O bandido repercute nossa medida de pura inconsciência. Somos-estamos num momento ainda imaturos, revoltados, inconsequentes em nossa cidadania. E quando uma incoerência repercute em nosso meio, repito, vemos unicamente as consequências.
Para não ser um monólogo inspirado, converso com Paulo Freire na obra Conscientização - teoria e prática da libertação, uma introdução ao pensamento de
Paulo Freire (Centauro, 2001, p. 23-24) quando diz: “Os políticos populistas não compreendem as relações entre alfabetização e ‘conscientização’. Obcecados por um único resultado – o aumento do número de eleitores –, deram somente um apoio muito escasso, do ponto de vista político, a esta forma de mobilização. Na realidade, raciocinavam de maneira muito simplista ante o problema. Se um educador de fama oferece a possibilidade de alfabetizar em muito pouco tempo o conjunto do povo brasileiro, ideal este desejado durante décadas por todos os governos, por que não dar-lhe o apoio do Estado? Por isso não compreenderam a agitação criada ao redor da pedagogia de Paulo Freire pelos grupos de direita. Os políticos viram o Movimento de Educação Popular como qualquer outra forma de mobilização de massas: em função de suas preocupações eleitorais; e propuseram uma revolução verbal e abstrata, aí onde era necessário prosseguir a reforma prática em curso. O educador, preocupado com o problema do analfabetismo, dirigiu-se sempre às massas que se supunham ‘fora da história’; a serviço da liberdade, sempre dirigiu-se às massas mais oprimidas, confiando em sua liberdade, em seu poder de criação e de crítica. Os políticos, ao contrário, não se interessavam pelas massas, senão na possibilidade de estas serem manipuladas no jogo eleitoral”.
Nesse sentido que a política, a prática politica cotidiana seja emancipadora, libertadora, entendida, compreendida, problematizada. E ela está em todos os lugares, indistintamente, em todas as escolhas, em todas as opiniões, em nós quando dormimos e acordamos para um novo dia. Que pode ser mais um dia aprisionado no mundo das ilusões e fantasias de bem-estar corrompido e individual; ou, por outro lado, pode ser o resultado do distanciamento dessas manipulações, sendo agora um individuo novo, um sujeito atento e ativo na construção de um novo mundo, não somente para si, mas para todos, indistintamente. Assim, quanto vale um individuo consciente? Esse indivíduo vale o sonho e acordar para a liberdade. O valor desse individuo não é de ser comprado nem vendido, é ser sendo sabedor de si-e-dos-outros.

Luciano Magnus de Araújo

quinta-feira, maio 21, 2015

OPINIOSO DA QUINTA - Homenagens ao cidadão ninguém

           A cidadania é uma condição difícil em tempos de hoje. Ser cidadão sabedor de seus direitos e deveres, indivíduo útil em seu tempo, produtivo, conhecedor dos meandros da realidade contingencial mais próxima e além não é um exercício fácil. Há quem diga que em outros tempos a dificuldade era maior tendo em vista direitos restringidos, ausência da tal democracia identificada nos tempos de hoje. Há quem diga que em tempos idos fosse mais fácil definir forças em contrário às boas energias, sem demagogias e disposições afins.
Mas para quem vive o hoje certamente resumir o cotidiano em análise seja uma natureza de igual exercício, ao mesmo tempo instigante e problemático. Tome qualquer tema em redor e observe o quanto estamos à deriva. Tenhamos a política como mote para essa conversa. Quem se localiza tão bem que consegue identificar e nomear essas forças que orientam disposições, sem que haja nada encoberto, mal contado, isento, não contaminado? Quem? Quem consegue desenvolver a devida análise de conjuntura que não esteja eventualmente tendenciosa por uma série de acordos, conchavos, ligações, deveres que não seguem a regra oficial e que nas entrelinhas mesmas das relações entre essas forças faz cego o cidadão comum diante do que nada supõe existir? Quem?
Mas afinal qual o sentido da oficialidade nas práticas políticas hodiernas? Nas casas de representação? Qual o sentido das práticas oficiais na política partidária no Brasil, nos governos estaduais em nosso pais, nos municípios? O poder da representação hoje na figura do campo legislativo deve obrigações e respostas a quem, afinal? Que decisões são permissíveis? Quais seriam vedadas ao legislativo? Como não dizer que uma casa de representação do poder legislativo não está amarrada nesse jogo de interesses que seja de alguma forma obrigada a mostrar sua submissão e dependência em expedientes muitas vezes simbólicos, sem valor, ou mesmo pouco observados pelo cidadão comum? Quando, por exemplo, uma assembleia homenageia figuras cuja expressão não está acima de qualquer suspeita o que isso representa para a índole desse poder? Onde fica o papel do cidadão comum tendo em vista que o poder legislativo de sua cidade ou seu estado homenageia certas figuras, esse indivíduo estaria a assinar embaixo, mesmo sem saber?
Uma homenagem é, no mínimo, uma indicação de sintonia. Homenageia-se quem se toma por valor, consideração, por benefícios realizados, alguém que de fato é considerado bem feitor; regra essa que é flexibilizada, bem recebida. Faz-se a média, agrada-se, demonstra-se que somos do seu time, por isso sua figura sendo homenageada, nosso cidadão impoluto, modelo, título recebido, dado, sem constrangimentos. E de forma tácita foi feito o trabalho devido, o rito da assembleia, que amanhã será notícia fria nos jornais. Mas fica a imagem, fica a simbologia.
Ao cidadão comum, o individuo mediano, que homenagens são devidas? Desmandos, engôdos, desconversas, a mesma medida de demagogias e desfaçatez? Mas para quem tem seu dia cheio em acordar cedo, pegar uma condução coletiva lotada, cumprir mais um dia duro sem privilégios, verbas extras, sabendo que seu orçamento e ganhos seguem uma rotina de apertos e limitações, entende muito bem que isso tudo está fora de sua realidade. Em verdade nem sabe.
O cidadão deveria ser todos os dias homenageado pela sua lida necessária. No entanto, nas casas de representação Brasil afora a figura menos prestigiada é a dos que nunca adentrarão esses lugares, ao menos cientes do valor e poder que possuem.


Luciano Magnus de Araújo
   Lma3@hotmail.com  

Fonte da imagem: Jornal do Dia.
                      

quarta-feira, maio 20, 2015

CRÔNICA DA TERÇA - O sonho dos justos

          A lida matutina nos leva bem cedo para o exercício do dever. A cidade acorda em seu ritmo. Pessoas, carros, propósitos, gente, tempo correndo, pensamentos, sonolências, vida. Cada um em seu jeito.
Choveu muito na madrugada de domingo para segunda e muito ao longo do primeiro dia da semana. A madrugada foi bem fria e tudo muito molhado, como ainda está por essas horas, por volta de oito e trinta da manhã. Dia pra se ficar em casa, de preferência.  
Naquela parte da cidade, lugar de comércio intenso, logo ali na Avenida Tiradentes, no centro de Macapá, em frente a uma loja de telefonia, vê-se algo tocante: um grupo entregue ao cansaço, vida que não tem para onde ir, sem casa, sem cuidados, sem carinhos. Entregues a friagem de uma noite e dia chuvosos. Exaustos, certamente, até que encontram um lugar de abrigo, um lugar onde vencidos por tudo, ficam. Um bando, um grupo, um coletivo, seis vidas já bem gastas, quem sabe por maus tratos. Vagando de lugar em lugar.
Há quem possa dizer que o bando, o grupo, por força de estímulos que a mãe natureza impulsiona segue uma cadela no cio, mas quem vai saber se não acompanhar mais da história? Estão ali. Quem passa acha curioso o ajuntamento. Uma fila recostada num muro. Pela imagem, por sua composição, qualquer registro no tempo mostraria, ao menos naquele momento, a paz conquistada. Mesmo que o corpo reclame, mesmo que todos e todas ali deitados e deitadas no chão “saibam” a vida seguirá assim, sabe lá por quanto tempo. Até quem sabe a próxima esquina, até quem sabe um próximo encontro dramático, quem sabe encontrem alguma solidariedade, quem sabe...
Mas já é dia. Daqui a pouco certas pessoas vão atrapalhar nosso sono, vão nos colocar pra fora daqui e vagar é o destino conhecido. Quem sabe o grupo se mantenha. Quem sabe não exista mulher a seguir, mas somente um protegendo o outro. Encontramos essa saída, tem funcionado. Já passamos por cada situação! Ontem como noite de frio, hoje como dia sem diferença. Quem viesse nos perguntar diria que a vida não é nada fácil. Nascemos, nem sabemos o porquê. Vivemos assim, muitas vezes no abandono. Somos criaturas que se um tanto mais de atenção e cuidados seriamos grandes companheiros, amigos, protetores. E quem não precisa disso tudo? Já viram nosso olhar o que carrega e mostra? Pararam pra falar conosco na rua? Acham isso estranho vindo de um de nós? Mas que estranheza vocês nos provoca, sempre sem jeitos e sensibilidades para conosco. Afastar bruscamente, gritar, maltratar é um tipo de fraqueza que já percebemos faz tempo, em vocês. Aprendemos na carne como a selvageria se mostra. E não somos nós os selvagens ou irracionais. Nossas espécies são somente diferentes.
Mas a conversa está boa. De uma consciência pra outra. Outro dia quem sabe nos vemos por aí. Deixa ver se ainda ficamos um pouquinho mais por aqui, do lado mais protegido, onde não é tanto do que não temos que sentimos falta. Nesse momento somos todos iguais nesse recanto de mundo.


Luciano Magnus de Araújo
Lma3@hotmail.com 


Foto: autor desconhecido. Fonte: Facebook.

sábado, maio 09, 2015

DE CERTOS JORNALISMOS E ASSESSORIAS

Não sou jornalista, escrevo esse texto como observador e como pesquisador de temas e provocações que se cruzam na prática da sala de aula, leituras, diálogos e na construção de hipóteses, na curiosidade que as aproximações me permitem.
Em primeiro ponto pondero junto com vossa consciência, leitor e leitora interessado (a), me permitindo a primeira pessoa na conversação desse texto. Vamos ao ponto: construir um contexto de profissionalização no indivíduo é um desafio, independente de qual área seja. Assimilar predicados, definir posturas, amadurecer valores, aprender a escolher e a identificar quando determinado ponto-de-vista cabe em cada situação. Ser jornalista, nosso espaço de observação aqui, parece não ser algo muito diferente. Na rotina daquilo que se convencionou o pensar sobre os perfis profissionais na contemporaneidade, temos um desafio pleno de definições. Afinal, o que é ser profissional tendo em vista certos processos que acabam confundindo definições de atuações por parte de outros atores sociais? E a verdade sobre quais valores seguir quando o que está em vista são debates humanizadores, por um lado, e por outros uma rotina de exploração do profissional? É possível relacionar de maneira tranqüila discursos que se dizem defender posturas democráticas e justas quando na prática do cotidiano mascaram gargalos de negação da individualidade do trabalhador?
Postas essas perguntas, nosso contexto de análise se estabelece no ambiente: das assessorias de comunicação no Amapá. Pelo que consigo observar, repito, não sendo jornalista, mas de uma posição privilegiada, os trabalhadores que formados ou com algum reconhecimento num tempo de crises de identidade do reconhecimento de diplomas jornalísticos, são explorados, chegando a um resumo de terem que doar suas horas úteis do dia e noite para figurar a imagem do assessorado.
Ser assessor nessa lógica e ter, segundo entendimento dos contratantes, que das vinte e quatro horas do dia, o contratado não ter vida própria e particular. Tanto isso é o que acontece que nas entrevistas de admissão logo se pergunta: é casado(a), tem filhos(as)? E se destacam subliminarmente outras perguntas: ainda pretende ter final de semana, tempo para um curso de aperfeiçoamento, leitura para ampliação da cultura geral, lazer, família... Ao menos um desses “benefícios”. Nada? Certamente deve ser pela natureza das relações e exigências que os espaços de assessoria definem que as vagas logo se desocupam. Aliás, um dos argumentos, diria intimidador, logo desferido a queima-roupa, é sobre se a pessoa do assessor não se enquadrando “peça pra sair”, clareando muito uma expressão tão popularizada hoje para quem não consegue viver, somente, a vida dos outros.
Quem ocupa vagas de assessorias relacionadas a pessoas públicas, políticos, empresas privadas sabe que tem como papel promover a imagem do assessorada. Nesse sentido deve fazer uso dos espaços e recursos para que a imagem do contratante esteja em evidência, especialmente de maneira positiva. Daí uma questão chega a nossa consciência. Uma assessoria seria exatamente o que, espaço de prestação de contas a um público que hoje se constitui pela difusa natureza de consumir produtos e serviços - e que exige, de maneira igualmente difusa, respostas a suas experiências de reclame pós-consumo? Ou, por outro lado, promoveriam as assessorias de comunicação, de maneira oportunista e demagógica, pessoas e instituições?
Pelo que se apresenta no contexto amapaense, boa parte das assessorias são lugares de uma dubiedade expressiva para se pensar como se definem as práticas e reconhecimentos da comunicação e de certo jornalismo no Amapá. Palavras como oportunismo, exploração, intimidação, engodo, que mereciam maior representação crítica por parte da representação local do sindicato dos jornalistas. Esse último ponto é central para se construir uma boa polêmica com resultados práticos. Se não há uma política discutida por uma categoria forte, coesa e orgânica, como haveria se existir no campo público ou privado respeito pelas práticas e papéis dos profissionais de comunicação em atividade nas assessorias e além? Difícil questão, tendo em vista que reclamar, criticar, promover debates é dar a face a instabilidade de não conseguir mais emprego, ser identificado como ingênuo num lugar de pessoas “sabedoras” que de tanto não se mobilizarem enquanto categorias que se empodera do poder critico da palavra, são constrangidos pelo poder da indicação, dos cargos comissionados, do famigerado mercado de trabalho nas entrelinhas. Que não perdoa ninguém, que não permite um jornalismo crítico que vá além do contracheque. Ficam as idéias para ponderação, mesmo não sendo jornalista e acompanhando a silenciosa agonia desse cenário...


Luciano Magnus de Araújo
Lma3@hormail.com

terça-feira, maio 05, 2015

EM ALGUM LUGAR, O PASSADO É PARAÍSO

Gostar de cinema é mesmo se dispor a viver possibilidades. O que o cinema pode provocar quando mexe com sentimentos de perda e saudade é algo tocante. Não há emoção que não transborde ao ver certas obras cinematográficas, olhos que não acusem a solidão do sentimento quando encontrado. E quando essa pessoa a contempla-vive o lugar da saudade, quando essa sintonia é alcançada, o que mais pode acontecer?
Quem gosta de cinema sabe o valor dos filmes que falam de cinema. O que é um filme? Imagem, som, motivos, sentimentos, telespectador? Há sempre algo mais a ser discutido, mas por aqui já se vê relações valorosas possíveis.
Mas, certo cinema, certos filmes trazem, resgatam, como que puxando pela mão um horizonte distante. O espectador acaba por ser aquele que feito rendido vive a ilusão em imagens e sons, provocações e sugestões. Não existe cinema que não trabalhe a emoção. Seja se utilizando do recurso menos convincente, ainda assim está ali a simulação, a tentativa; seja pela complexidade de conteúdo e forma. No cruzamento, algumas vezes, entre literatura e audiovisual muito se tem feito. Mas sempre permanece a opinião de que certos filmes ficam aquém da obra impressa, hoje também digital. Por outro lado, há quem diga que muitas vezes a obra cinematográfica tem caimento melhor que a obra literária que a inspirou. Opiniões...
E de volta algumas perguntas valem: você tem saudade quando ouve uma canção? Quando vê um filme ‘volta’ a algum passado? Do que é alimentada sua saudade? Músicas de filmes o que lhe causam?
Assim não é difícil pensar duas belas obras cinematográficas. Por partes.
O aperto no peito quando as cenas apresentam momentos perdidos no tempo. Receber uma ligação que nos remete ao passado. O falecimento de uma pessoa importante que fez parte de sua infância na vida. E literalmente todo um filme de lembranças passarem diante dos olhos da alma. Reviver a criança que descobria o mundo. E sempre que terminava a missa esse coroinha corria para o cinema da cidade, e lá via muitas vezes os filmes nas brechas da cortina. Lá foi se fortalecendo a amizade entre um já velho e carrancudo, mas de bom coração, Alfredo, o projetista, e o irrequieto menino. O pequeno Totó se maravilhava com tudo que via. Ainda o cinema é isso, mágica. Quantas brincadeiras, quanta curiosidade de criança alimentada pelo mistério da sala escura, depois da sala de exibição. As máquinas, as latas de filme, o manuseio. Para uma pequena cidade italiana em plena Segunda Guerra não haveria tardes melhores.
O que será desse menino ao longo da vida? Mas a vida que traz beleza traz realidade. O menino cresce, precisa escolher, entre amores e decepções, um caminho a seguir. Deixar o paraíso e tudo o mais, ir ganhar a vida em Roma é ver o mundo, crescer, amadurecer, quem sabe esquecer a vida anterior. Mesmo que por um tempo. Mas... Quando aquele chão conhecido que se foi na vida, imagens, sons, gestos, cheiros. Perdidos para nunca mais. O homem já maduro, agora, encontra com certa surpresa um ajuntamento de imagens que foram cortadas de filmes quando o cinema em sua cidade, velho (novo) cinema paraíso, ainda existia junto com valores e pudores de tempos idos. Ao final, cenas de beijos, imagens que hoje no horário nobre é coisa pouca. Mas, isso ainda não dá conta do que se quer falar. É o encontro de mundos.  Nesse momento e imagens e sons se cruzam com magia em seu ponto máximo. É se deixar levar, aumentar o som e se deleitar com a bela composição-tema de Ennio Morricone, aclamado e premiado criador de trilhas de grandes filmes: A missão (1986), Os intocáveis (1987), Bastardos Inglórios (2009), dentre outras obras. Se não tiver nesse momento o filme busque no Youtube essa composição. Lá há um concerto de Morricone em Veneza. É viagem e contemplação na certa. De tudo que se falou até agora, esse é o filme Cinema Paradiso (1988), dirigido por Giuseppe Tornatore, ganhador de Oscar e Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro em 1990, Cannes em 1989, dentre outras premiações. Aprecie!
E para onde você iria nesse mundo dos sentimentos se tivesse que buscar uma ligação com alguém que você tenha deixado no passado? O que faria se essa pessoa fosse o amor conquistado... e por um capricho do tempo...perdido?
Um jovem escritor de teatro, comemorando o sucesso de uma de suas produções, em meio à badalação, convidados, atores, produtores, uma senhora abre caminho por entre as pessoas, se aproxima do escritor e diz: "volte para mim". E lhe deixa um relógio de bolso. Ninguém entende, nem mesmo ele. Diante do sucesso outras peças deveriam vir, mas o processo de produção é penoso e faz o jovem dramaturgo viajar para espairecer, casualmente (quem sabe?) hospeda-se em um hotel antigo. Ali, no museu no hotel descobre uma fotografia de 1912 de uma bela mulher, Elise Mckenna (interpretada pela bela Jane Seymour), um olhar que remonta certamente um belo momento de sintonia com algo ou alguém. Curioso busca mais informações sobre a mulher e descobre ser uma aclamada atriz de teatro, que surpreendente é a senhora que foi naquela noite de sucesso de anos atrás e lhe deixou o relógio.
Dai o que vemos é Richard Collier (Christopher Reeve) correr a fim de saber quem é essa mulher, pesquisa, entrevistar pessoas, até chegar ao ponto de cogitar voltar ao tempo, início da década de dez. Mas como fazer? Collier procura um antigo professor para saber sobre viagens no tempo. Que momento! A sugestão, a poderosa autossugestão pode ser o recurso. Mas é preciso criar um clima em volta que possibilite essa ligação com o passado. Que grande trabalho Collier desenvolver nesse sentido, que grande desgaste. É preciso cortar todas as ligações com o presente. A mente precisa estar somente ligada ao passado, ao encontro com Elise. Roupas, dinheiro, o relógio... Depois de muito esforço... Agora Collier está em outro tempo e entre passagens cômicas de ambientação e reconhecimento. Conhecendo pessoas, vivendo o que é possível em meio quem sabe o sonho ou a realidade, encontra Elise. Encontra também barreiras, na figura do agente da atriz, William. A trama vai se desenvolvendo assim como se desenvolve a trilha sonora, bela! É preciso igualmente apreciar, John Barry (muito conhecido por boa parte das trilhas de James Bond, dentre outros grandes filmes) compôs e regeu a trilha. Igualmente é possível encontrar na grande rede. Não vou contar o final do filme, sendo o filme de 1980, Em algum lugar do passado (dirigido por Jeannot Szwarc) surpreende pela inventividade, pode ser que vocês já tenham visto, se não, que tal uma volta ao passado... Mas...
No entanto, o que é intrigante nessa história? Para quem se dispuser a ler o livro de Richard Matheson (Em algum lugar do Passado, Nova cultural, 1987; originalmente publicado em 1975, com título Bid Time Return) - autor da história e de tantas outras como aquelas que igualmente serão base para filmes conhecidos como Eu sou a lenda e Amor além da vida - verá algo que nos faz pensar, logo no inicio da obra. O livro é esforço de compilação de seu irmão Robert Collier, portanto obra póstuma, que na nota introdutória diz: “Além de acreditar que o livro de meu irmão merece ser lido, há outro motivo que me levou a querê-lo publicado. Francamente, sua história é incrível. Por mais que me esforce, não consigo acreditar nela. Espero que sua publicação crie a possibilidade de que alguém lhe dê crédito. Pessoalmente, acato apenas um aspecto da mesma, aceitando-a sem reservas: para Richard, este não foi um trabalho de ficção. Ele acreditou, sem sombra de dúvida, ter vivido cada momento descrito”.
Fica o mistério da criação, em meio à obra e o criador. Convite feito!

Luciano Magnus de Araújo