terça-feira, março 28, 2017

Sobre Livros, #1

              Teremos sempre um melhor caminhar quando livros estiverem entre nós! Desenvolver o práticas de leitura é um dos prazeres potencialmente mais reveladores e ao mesmo tempo perigosos (O que me diz?): diga-me o que lê e conhecerei quem és!
              O que você anda lendo atualmente? Que livros tem sensibilizado seu pensar? O que nesses livros pode ser destacado como fundamento para reflexões que possam dar outros ares e possibilidades a suas sociabilidades? Pensar e questionar, ler e comunicar-se com outras maneiras de entender os mundos possíveis. Mas o que ler? Desenvolver critérios de escolha do que bem ler é um aprendizado, um letramento, uma forma de separar o que merece atenção, como fontes importantes de formação e informação, daquilo que é fruto mercadológico, moda, leituras de superfície.
              Com formatos materiais e digitais a leitura torna-se mais acessível. Seja de forma paga ou gratuita existem fontes e indicações para todos os gostos. Esse é ponto importante, é preciso lapidar os gostos de leitura, selecionar, qualificar leitores. Os processos de leitura não devem ser mecânicos, abusivos, compulsórios, chatos. Precisamos criar leitores que sintam prazer no ato de ler, que sejam críticos, que sejam independentes para escolher, exigentes com o que se oferece, leitores amantes de livrarias de boa qualidade e bibliotecas de igual natureza. Diante disso, algumas indicações...

Susan Sontag: Entrevista completa para Revista Rolling Stone por Jonathan Cott, editora Autêntica (2015). Famosa por suas opiniões a ativismo político, Susan Sontag, encarna posicionamentos polêmicos, atuações e produções em campos os mais diversos. É uma dessas pensadoras que definiram maneiras de pensar. Escritora e critica de arte deixou atuais reflexões: Sobre Fotografia, obra de 1977; Doença como metáfora, de 1978; AIDS e suas metáforas, de 1988, para apontar algumas obras cujo teor aponta possibilidades. A doença é tema recorrente em sua reflexão, a escritora morreu em 2004 em decorrência de leucemia. O tema é, portanto, um contexto de reflexão em sua prosa, algo entre o estético, o filosófico e o iconoclasta. Nessa longa entrevista dada à revista Rolling Stone (ocorrida no ano de 1978 e publicada, em parte, em outubro de 1979), Sontag desvenda caminhos sobre o pensar. O entrevistador Jonathan Cott é arguto, consegue extrair preciosidades de Sontag. Quando questionada sobre o espirito do pensamento dos anos setenta, por exemplo, a escritora diz: “Acredito que o mundo deveria ser um lugar seguro para as pessoas marginais. Uma das principais coisas que deveria definir uma sociedade é permitir que as pessoas sejam marginais(...) Mas em vez de nos tornarmos cada vez mais burocráticos, padronizados, opressivos e autoritários, por que não permitimos que mais e mais pessoas sejam livres”. Os temas se sucedem em ritmo e profundidade, é um livro pra se ler com paciência e reflexão. Com o formato de entrevista, não se deve confundir, no entanto, a coloquialidade com falta de apuro nas falas. É um texto de horas de bom debate e referências. Para quem é afinado em contextos e pensamentos, e boas conversas, segue indicação.
 
Fantoches/ Outros contos, de Erico Verissimo (Editora Globo, 1972). Quando tem outro gosto ler os livros da biblioteca dos outros. Sobre o autor dessa obra, figura consagrada, o que dizer? Quem não leu, precisa ler! Esse é o primeiro livro de Verissimo, publicado em 1932. O curioso nessa edição é que o primeiro texto, Fantoches, compõe uma série de textos menores, em geral com formato de diálogos teatrais onde em revisão o próprio autor fez comentários manuscritos, ou feito à máquina de escrever, ao lado do texto original, com desenhos e inclusões onde brinca com sua própria produção. Esse brincar é acerto de contas jocoso, um sarro que tira de certas passagens e pontos que faz o leitor acompanhar o que foi o amadurecimento de uma mente criativa. Essa obra faz parte de uma coleção com a produção literária de Verissimo. Minha meta é chegar ao menos a metade da leitura até o final do ano. Alguns livros já foram lidos. Fiz uma aposta com a dona da coleção. Querida Márcia Melém, será que conseguiremos? Beber de outras fontes e bibliotecas é fundamental...

Jimi Hendrix, as histórias por trás de cada canção, de David Stubbs (Editora Madras, 2014). Seguindo uma orientação editorial de comentar a produção musical de grandes criadores esta obra explora canções do grande guitarrista. É desses livros que sugiro ler ouvindo as canções, observandos-ouvindo-percebendo-vendo as nuances e contextos referidos. As influências, ambientes e temas são discutidos valorosamente. Para quem aprecia essa musicalidade é uma bela obra de referência. Segue com belas ilustrações. Em tempos digitais não é nada difícil encontrar a obra de Hendrix e fazer assim uma leitura-audição em complemento.  

Sublime Expiação, Divaldo Franco pelo Espírito Victor Hugo (Editora FEB, 2010).  No vasto e valoroso campo das obras psicografadas esta compreende um belo registro da mentalidade do além-túmulo a partir do espírito de Victor Hugo. Enquanto encarando Hugo construiu incomparável obra com títulos como Os miseráveis (1862), Os trabalhadores do mar (1866), Torquemada (1882) para citar algumas. No presente livro temos mais um romance real de vidas que compuseram dramas terrenos. E como bem aponta Hugo em carta igualmente psicografa, datada de 1973: “vidas são experiências que se aglutinam, formando páginas de realidade. Lições que compõem romances, novelas, tragédias, merecem recontadas, qual manancial de aquisição simples, para edificar outras existências na ramagem terrena, que representa elevada concessão divina para o milagre transcendente da evolução”. Muitas vezes por meio da doença conhecemos os processos de melhoramento e evolução, na maioria das vezes não entendemos porque somos acometidos por males físicos. O personagem principal dessa obra, Lucien, tendo que conviver com Hanseníase, acaba por aprender duramente os benefícios da expiação para o caminho do melhoramento... Leitura edificante, recomendo.

             
Respiros:
- Mataram a CLT?
- Hoje é dia do Cacau! Lembra...
- Cuide ao menos de um bichinho, cuide de plantas, cultive o amor.
- Não deixe o tempo e o dinheiro serem seus senhores.

- Já praticou sua caridade do dia? Desinteressadamente, não esqueça!

Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Macapá, Amapá, no caderno Camarim, em 26 de março de 2017.

quinta-feira, março 23, 2017

A escola e seus modelos de ensino


         
          Vivemos num tempo em que se exige posicionamentos. Pensar deveria ser a competência de sempre. Mas em tempos como os nossos, quando estamos sempre a sermos provocados pelos temas os mais diversos temos que nos fazer presentes nos debates.
Debater é se empoderar, fazer parte nos conjuntos das proposições, destacando as incoerências ou sucessos. É preciso não ser alheio ao tempo histórico que vivemos. Essa característica do tempo histórico define-se por a todo tempo estarmos a travar relações que se perpetuam, influenciando, contemplando outras perspectivas, fortalecendo posicionamentos, tendências, ideias, práticas. Ou mesmo fortalecendo cenários distorcidos, excludentes, desiguais, mascaradores da verdade. Não há espaço, repito, para alheamentos. Nenhuma tomada de posição é neutra, nunca foi, nunca será, seja de indivíduos, coletivos, instituições, gestores. Refletir sempre é tomar partido, mas a falta da reflexão igualmente pode ser algo de graves consequências. Nesse vasto cenário de possibilidades, problemas postos...
Como está nossa escola? Conhecemos esses espaços de construção de conhecimentos, não o único? Conhecemos, de fato, a escola onde estudam as gerações que compõe uma sociedade presente-vindoura? Sabemos dos modelos de gestão atualmente desenvolvidos? Procuramos saber o que falta na escola, inclusive em nossos alheamentos e ausência, enquanto pais e responsáveis e alunos? Sabemos quem são os gestores de nossas escolas? Como pensam? Conhecemos nossos professores, no que acreditam, o que constroem e como lutam o cotidiano educacional? Sabemos nós das realidades que rodeiam as escolas? Identificamos nossos alunos, suas necessidades e particularidades? A forma como vemos a escola reflete nosso modelo social? O que esperamos da escola hoje? O que a escola pode esperar de nós? Como queremos educar? Procuramos entender sobre as relações de poder no espaço escolar? As relações da escola com seu entorno? A sala de aula e suas especificidades? D o modelo pedagógico, sabemos algo?
As questões em profusão não devem cansar. Elas são urgentes, tendo em vista que devem ser guias para se pensar a escola em sua presença de fato, não como aparato invisível, nem como espaço onde deixamos pessoas ou para onde pessoas vão sem que tenhamos nossas responsabilidades. A escola precisa ser pensada, vivida como um elemento orgânico e também complexo em meio a vida coletiva, seja urbana ou rural. A escola como um espaço dinâmico, atraente, aberto, sintonizado com seu tempo, empoderadora, criativa. 
Mas para isso acontecer, termos uma visão mais clara sobre que lugar de aprendizados queremos, é preciso ter conhecimentos sobre modelos de gestão, modelos pedagógicos, maneiras de se construir saberes, rotinas, cuidados com as pessoas, com o presente e com o futuro. Essas escolhas não devem ser feitas tendo como mediação a desesperança do tempo presente, nem mesmo levando-se em consideração modelos salvadores de eventuais e rotineiros desacordos na vida social. A escola deve ser pensada em relação ao que está a sua volta, sem que sobre ela recaia a responsabilidade de resolver o que outras instituições (família, comunidade, poderes públicos, associações, coletivos vários) se eximem em participar.
Nesse contexto, propostas existem como modelos, que exigirão das equipes escolares, comunidades, discentes, sociedade, esclarecimentos conscientes do que se quer na valorosa relação entre presente-futuro. Nisso podemos listar maneiras de se entender o que pode ser essa escola, para citar algumas: Escola tradicional, Escola democrática, Escola de tempo integral, Escola militar, Escola da Ponte, Modelo Summerhill, Escola construtivista, Escola técnica, Escola crítica, Escola Pós-critica...
            Esses modelos e tantos outros possíveis definem encaminhamentos, historicidades, e muitas vezes indícios que podem remontar panaceias ao que pode dar certo, como último recurso diante de um contexto já de poucas evidências de sucesso. Por outro lado, sair de uma forma para outra não garante esse último patamar. A escolha passa por uma reflexão cuidadosa. Será que e escola dever ser um laboratório social, será que é isso? Como micro-espaço de atuações a escola, a sala de aula, sua rotina, cumprem demonstrações sensíveis do que está fora do seu contorno. E muitas vezes percebemos a falta de comunicação estre essas duas instâncias. É preciso acompanhar os processos, ser parte, emporar-se do que constitui os espaços escolares. Fazer-ser um sujeito social não é tarefa de um lugar, não se faz de uma forma, não é desdobramento de uma receita. Somos o resultado de escolhas várias, de problemas diversos, de desafios sem fim enquanto vida existir e até para além dela... Talvez a única variável fundamental que precisa ser deixada claramente à mesa deva ser a liberdade. Estamos construindo processos libertários? Emancipadores?
            Ser livre é conhecer-se. Sendo assim apto a conhecer o mundo. Essa autonomia não segue modelos, receitas, padrões, mas é fruto da vivência, do diálogo, do debate, das participações, dos protagonismos, dos erros, dos acertos. Devemos cuidar da esperança com quem cuida do sono noturno: em confiança, vigília, mas sonhadores das particularidades que o sonho pode trazer... Os indivíduos são demonstrações de pulsões e contradições que precisam de liberdade para serem plenamente. O ambiente e seus ocupantes seriam sujeitos gentis agindo no sentido de respeitar, entender, assimilar as individualidades e suas historicidades.
            Temos responsabilidades e o tempo repercute nossas escolhas, estejamos atentos, a escola merece e exige o nosso melhor.

Respiros:
- A rua tem sua pedagogia, democrática, política;
- Professores e professoras, suas demandas são legítimas!
- 15 de março: Dia da Escola!
- Quem educa quem?

- Mantra: Meu educar é um ato político.

Artigo publicado originalmente no Jornal A Gazeta, de Macapá, Amapá, em 19/03/2017, na Coluna Observatório.

segunda-feira, março 13, 2017

Viver (n)a cidade (des)continuamente


Folias de momo idas, nas oficialidades extraoficiais: ano iniciado. Tempo de organizar as finanças e tocar a vida no melhor ritmo possível. Questões urgentes e redivivas: como está a vida na cidade? Síntese e definição, a cidade recorrente em historicidades e potencialidades, atualizações e ineditismos. De desventuras ou-em (a)venturas, viver na cidade compõe, muitas vezes, um misto de adaptabilidade, criação e estranhamento. O cidadão urbano, como quase um pleonasmo, não o é impunemente.
O ser urbano imprime características, opera manias, é na mesma medida em que deixa de ser como maneira de corrigir-marcar novos passos na cena urbana. Contradições postas, esse individuo urbano compõe histórias individuais e coletivas. Misturam-se nas identicidades de quem vive a urbe ao menos duas condições: a presença e a descontinuidade.
Presentificamos o ser corpóreo, material, que ocupa, que denigre, que coloca sua presença nos espaços, nas potencialidades e criações, para o bem ou nem tanto. Essa mesma criatura que sabe de si e dos outros na geral normalidade dos seres viventes em coletividade. E assim seguimos... A presença pode por vezes dar o ensejo de rotinas cujos desdobramentos se esvaem por entre os dedos de seus próprios produtores. Nisso temos o lixo de casa que polui a cidade, as violências que saem e adentram os espaços domésticos e públicos, os mal-entendidos dos interesses políticos individuais e coletivos; nossas ausências de corpo presente e mente ativa quando as situações assim nos exigem. A presença repercute outra parte que quase se-nos confunde: nem sempre somos lineares, nem sempre somos harmônicos, nem sempre somos coerentes com enredos horizontais, nem sempre o dito revela toda a verdade...
A descontinuidade e o individuo urbano são pontos mais sensíveis do processo de vida coletiva. Construímos processos descontínuos quando colaboramos-agimos para rupturas, desconstruções, cortes, dentre outros sinônimos processuais. As desconstruções nem sempre são demandas unanimes, elas igualmente servem para fundar normas operacionais sobre como reconhecemos limites na vida, no tempo, feito balizas e demarcações que podem nos auxiliar nas identificações históricas, sociais, coletivas, individuais. Uma descontinuidade pode ser um desacordo, discordâncias, incômodos. Essas atuações podem ser aprendidas. A vida social pode ser pedagógica nesse contexto, nas participações, sendo o individuo atendo ao que se desdobra a sua volta. Não sendo esse individuo algo passivo nas continuidades presenciais, sendo mais na conta das tantas operações que o situa como distante do seu protagonismo na vida social, na cultura, na história, a própria história individual ou coletiva.
 A cidade é o cenário complexo para esses temas. As lutas cotidianas, visíveis e invisibilizadas dão conta de dramas, vitórias e derrotas inspiradoras para que o indivíduo urbano possa aprender a construir sua presença de maneiras múltiplas. Parece que o único comportamento que se pede é a potencialidade de uma personalidade plástica, moldável aos desafios da urbanidade. Ainda assim, essa caraterística não deve ser argumento para práticas nocivas, perniciosas, envenenadoras da-na vida cotidiana. É salutar pensar no lado bom da vida e colaborar para que isso aconteça. Esse lado bom é igualmente complexo, viver o bom da cidade é saber o que é bom como requisito de responsabilidades, lutas e consciências.
Ser cidadão é uma identificação que igualmente passa por uma assimilação real de ser parte de algo que se busca uma relação orgânica. A natureza dessa relação é viver seus problemas, suas possibilidades criativas, decidindo, pensando, reclamando, sendo sem meios termos. Viver a cidade é ter respeito e cuidados sobre absolutamente tudo que faça parte desse cenário, na clareza da responsabilidade de tudo que o ocorre como algo compartilhado. A grande rede de relações e símbolos é aquilo que faz nossos trânsitos nos contextos urbanos, ninguém é uma ilha nesse grande cenário...

Respiros

- Como anda a produção cultural urbana?
- Tenho sempre a compreensão do que me chega como verdade?
- Professor, professora, como estão seus estudos continuados? Parados? ...
- Você conhece as bases daquilo que apoia?
- Agora é ordem unida nas salas de aula?

Luciano Magnus de Araújo
Antropólogo