quarta-feira, abril 22, 2015

POESIA-IMAGENS-PROSA-MÚSICA: DRUMMOND-PESSOA-DEBUSSY

A saudade, a melancolia, a tristeza, as iluminações, o que mais a poesia e a prosa podem nos legar? Alegrias, sublimações, pontes no tempo, cores, meios-tons, algum espaço com pouca luz, mas não com sua ausência em totalidade. O terreno poético é potencial. Quem escreve poesia observa o mundo de maneira diversa. Quem lê, mas não produz, possui também outra visão de mundo, em comparação a quem não se alinha a essa forma de expressão.     
Mas é preciso dizer antes de tudo que esse não é um texto com pretensões acadêmicas, mas um bom momento de conversar com livros e com a música... É um convite para quem acha que gostar de poesia teria algo mais que indicações de maneirismos. E se existirem maneirismos? Quem está feliz a olhar a vida alheia? Enobreça a sua, poesia leia, ouça, veja!
A fala poética é rica, sugestiva, liberta enquanto meio. Fantasmas, encarceramentos e cantos de liberdade existem e a poesia é senhora para dar as mãos as seus criadores. As dores do mundo, em muito, chamam por ela. Ampla e democrática, além de discursos, de zangas. A poesia é dama que se aproxima de muitos, de muitas, nem todos se ligam a seu chamado muitas vezes, ou em geral, sutil. No mundo poético palavras tomam formas, imagens são alimento para a alma. Mas o poema não é somente escrito, pode ser sonoro, visual. Ouvir uma obra de Debussy é elevar-se. Sugiro ouvir prelude al'apres midi d'un faune.
Como não se encantar com as imagens desse belo poema sonoro. Mas para isso, para que esse encantamento aconteça não se exige que a pessoa seja alguém além, maior, mais iluminado. É preciso educar-se. Abrir o leque de possibilidades para além do que é apresentado. Ousar conhecer. O novo pode ser difícil inicialmente, mas é importante ampliar vivências. Gosto musical, gosto literário são conquistas no tempo. Não se nasce sabendo. Mesmo que existam propensões, tendências. Educar-se é um ato de construção da subjetividade. A subjetividade está em processo, não se completa. Estamos sempre de encontro a novas provocações. Desfrutar e ser curioso, curiosa, diante dessas provocações é desafio posto a cada um, a cada uma.
Num dia de chuva, como esses que estamos a viver nas terras amapaenses, mês de abril, como não provocar um paradoxo. De maneira sossegada ler uma obra cujo título é Livro do Desassossego (Companhia das Letras, 1999) de Fernando Pessoa. Que obra! É poesia em prosa em sua melhor roupagem. Os fragmentos, passos de coisas pensadas e vividas, um belo ajuntamento de observações que levariam a passos e paradas ao longo do caminhar. Assim diria Pessoa: A análise constante das nossas sensações cria um modo novo de sentir que parece artificial a quem analise só com a inteligência, que não com a própria sensação (Fragmento 135). Sentir e viver, pensar, não ser somente cerebral, mas ver o que te incomoda à queima roupa? O que te faz sofrer, o que toca fundo na alma? Os males da inteligência,
infelizmente, doem menos que os do sentimento, e os do sentimento, infelizmente, menos que os do corpo (Fragmento 140). Onde estamos aprisionados? Como nos aprisionamos? Há muitos mistérios no existir. Há muito que se pensar diante do cotidiano. Achamo-nos perdidos, muitas vezes estamos. Mas é preciso esforço para ver, encontrar o que de motivo para negar o que não nos faz bem. Muitas vezes é luta de uma vida, muitas uma vida não é o bastante. E uma lei de ouro: vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem (Fragmento 208). Será que perdemos essa rota de amabilidades? A gentileza onde está? Será que a máxima do homem como lobo do homem é forte em nosso tempo, um dia deixou de ser? É no dia-a-dia que se faz a vida. Investir peso demasiado nas coisas, pessoas, sonhos, muitas vezes pode ser iniciativa perigosa. Os apegos doentios, os desapegos covardes. É preciso equilíbrio. O certo e errado são categorias discutíveis, mas inegociáveis quando será provocado o pior para o outro. A reação em contrário é instinto de proteção ou falta de educação? Eduque, acolha, acalme, seja verdadeiro e terá inscrito um belo poema de vida. O convite para desassossegar-se poeticamente, essencialmente está feito. A obra de Pessoa é motivo para sempre retornarmos ao pensamento. Ao pensar sobre nossa condição...
...e pegando as mãos de Drummond
no poema Especulações em torno da palavra homem, na obra Nova Reunião – 23 libros de poesia, volume 2, Bestbolso, 2009), quando diz em revolteios:
(...)
Como se faz um homem?

Apenas deitar,
copular, à espera
de que do abdômem

brote a flor do homem?
Como se fazer
a si mesmo, antes

de fazer o homem?
Fabricar o pai
e o pai do pai
(...)
Para que serve o homem?
para estrumar flores,
para tecer conto?

para servir o homem?
para criar Deus?
Sabe Deus do homem?

E sabe o demônio?
Como quer o homem
ser destino, fonte?

Que milagre é o homem?
Que sonho, que sombra
Mas existe o homem?

            E pensar e refletir sobre nossa condição. As escolas trabalham poesia ainda? Fomentam pensar por obras poéticas? Por imagens? Se não o fazem, que pena! Que grande universo perdido. Esse homem de Drummond que lê poemas será o que? Será já homem? Será humanidade? Onde está perdido no tempo para um dia quem sabe se encontrar...
            No tempo de hoje, onde tanta crueldade se apresenta das mais diversas maneiras é preciso aliviar os dias. É preciso criar meios de olhar esse mundo diferentemente do que se mostra. É preciso agir e criar novas possibilidades de vida. E retorno a ideia, é preciso educar-se como condição de não se deixar embrutecer. Só assim, a tão bela imagem da liberdade possa nos pegar pelas mãos e nos inspirar a seguir em frente...segurando outras mãos... Convite feito!

Luciano Magnus de Araújo

Um comentário:

Lulih Rojanski disse...

Muito lúcido seu texto. Tenho lido "coisas" que mostram um quadro negativo no que diz respeito à leitura e à produção poética. Infelizmente, a poesia anda um tanto esquecida. Basta ir a uma boa livraria para observar o que há de novo na poesia e não se encontra nada nas prateleiras.Claro que assim mesmo sempre se pode comprar uma edição antiga de algum poeta. Mas o que há de novo é em prosa, é científico, ou é de autoajuda.