sábado, junho 25, 2022

Quantos instantes


Sábado quente. Depois das dezesseis horas começam a aparecer umas nuvens e pingos pesados de chuva que o vento irá logo levar como acontece por essa época. A nova ninhada cria suas novidades descobrindo os cantos de mundo levados pela curiosidade. Entre si brincam, correm, buscam juntos, se separam. O som da água caindo do vertedouro da caixa de água que abastece a casa anuncia já que está cheia. Desligar a bomba. Sopra um vento forte, vai mesmo levar a chuva pra longe. É preciso beber água, dia quente que o banho recém tomado não resolve de tudo. Redes sociais paradas. Começa a cair neblina. Lá fora um bichano desgarrado chama pela mãe. Hora some o azul do céu, hora é coberto de cinza. Goles mais constantes de água. E alguém bate lá fora. Abrir o portão interno de saída de casa é criar expectativas no coletivo de vida comum. Comida? Brincadeiras? Conversações? Acorrem mais próximos. Igualmente curiosos sobre quem lá fora.

Azul mais vasto acima. Longe segue a promessa de chuva no cinza andante. Mais um portão aberto e quem na visão da rua? Ninguém. Vai lá longe pessoa a carregar um carrinho de alguma coisa. Já distante, nem vale chamar. Em sentido contrário em aproximação outro carrinho, um vendedor de picolés com inscrição em branco e seu sino estridente chama a atenção da vizinhança. Agora se resolve a velha curiosidade de sempre ouvir do lado de dentro de casa esse sino a chamar. Está quase à frente de casa. Calor e gelado se combinam. Aceno e já direciona em aproximação. Quais sabores o senhor tem aí? Responde abrindo o recipiente que se ilumina e segue enumeração que vai se substituindo pela minha observação. Peço para esperar e vou buscar algum dinheiro. Escolho cinco unidades, uma de cada sabor existente na caixa. Pergunto como estão as vendas. Tem rua que vende melhor, tem rua que nunca vende. Essa é aqui é uma. Que nunca vende? É. Agora o senhor já tem um freguês nessa rua. Sempre que passar por aqui, diminua o passo e faça o sino chamar. Assim tenho tempo de alcançar o senhor. Tá certo. Mas posso bater no portão, se quiser. Pode ser também. Melhor guardar logo pra não derreter. Desejo sorte. Agradece. Sino a chamar, fecho o primeiro portão. Do lado de dentro mais expectativas de pequenos olhos. Abro e fecho o segundo portão, mãos geladas, escolho o primeiro a refrescar o mundo interior. O tilintar já vai longe.

Acomodo-me novamente diante da leitura em meio a sertões e nordestes. Céu cinza novamente e sem vento. A música ambiente caminha nas terras Gerais, os peixes em milagres. O pensamento dividindo em três eventos, quatro, ainda ligado no sino e na sina cotidiana que segue. E pensando na lida do senhor de gelados, em tardes quentes como a de hoje, nos dias de chuva... A neblina volta. O incomodo resguardado. Leitura pausada e o olhar distante sem espaço e tempo. O fragmento de momento que desconversa com a realidade ainda que dela seja cifra. Dois pares de pequenos olhos encontram os meus numa distância de quase dois metros. Segundos e se distraem por pouco. Somos dois. Já menos calor. Abaixo o livro, torno a buscar outro motivo gelado. Alguém bate lá fora...

 

Imagem: https://laart.art.br/blog/o-que-e-arte-abstrata/

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