Gostar
de cinema é mesmo se dispor a viver possibilidades. O que o cinema pode
provocar quando mexe com sentimentos de perda e saudade é algo tocante. Não há
emoção que não transborde ao ver certas obras cinematográficas, olhos que não acusem
a solidão do sentimento quando encontrado. E quando essa pessoa a
contempla-vive o lugar da saudade, quando essa sintonia é alcançada, o que mais
pode acontecer?
Quem
gosta de cinema sabe o valor dos filmes que falam de cinema. O que é um filme? Imagem,
som, motivos, sentimentos, telespectador? Há sempre algo mais a ser discutido,
mas por aqui já se vê relações valorosas possíveis.
Mas,
certo cinema, certos filmes trazem, resgatam, como que puxando pela mão um
horizonte distante. O espectador acaba por ser aquele que feito rendido vive a
ilusão em imagens e sons, provocações e sugestões. Não existe cinema que não
trabalhe a emoção. Seja se utilizando do recurso menos convincente, ainda assim
está ali a simulação, a tentativa; seja pela complexidade de conteúdo e forma. No
cruzamento, algumas vezes, entre literatura e audiovisual muito se tem feito. Mas
sempre permanece a opinião de que certos filmes ficam aquém da obra impressa,
hoje também digital. Por outro lado, há quem diga que muitas vezes a obra
cinematográfica tem caimento melhor que a obra literária que a inspirou.
Opiniões...
E
de volta algumas perguntas valem: você tem saudade quando ouve uma canção? Quando
vê um filme ‘volta’ a algum passado? Do que é alimentada sua saudade? Músicas
de filmes o que lhe causam?
Assim
não é difícil pensar duas belas obras cinematográficas. Por partes.
O
aperto no peito quando as cenas apresentam momentos perdidos no tempo. Receber
uma ligação que nos remete ao passado. O falecimento de uma pessoa importante
que fez parte de sua infância na vida. E literalmente todo um filme de
lembranças passarem diante dos olhos da alma. Reviver a criança que descobria o
mundo. E sempre que terminava a missa esse coroinha corria para o cinema da
cidade, e lá via muitas vezes os filmes nas brechas da cortina. Lá foi se
fortalecendo a amizade entre um já velho e carrancudo, mas de bom coração, Alfredo,
o projetista, e o irrequieto menino. O pequeno Totó se maravilhava com tudo que
via. Ainda o cinema é isso, mágica. Quantas brincadeiras, quanta curiosidade de
criança alimentada pelo mistério da sala escura, depois da sala de exibição. As
máquinas, as latas de filme, o manuseio. Para uma pequena cidade italiana em
plena Segunda Guerra não haveria tardes melhores.
O
que será desse menino ao longo da vida? Mas a vida que traz beleza traz
realidade. O menino cresce, precisa escolher, entre amores e decepções, um
caminho a seguir. Deixar o paraíso e tudo o mais, ir ganhar a vida em Roma é
ver o mundo, crescer, amadurecer, quem sabe esquecer a vida anterior. Mesmo que
por um tempo. Mas... Quando aquele chão conhecido que se foi na vida, imagens,
sons, gestos, cheiros. Perdidos para nunca mais. O homem já maduro, agora, encontra
com certa surpresa um ajuntamento de imagens que foram cortadas de filmes
quando o cinema em sua cidade, velho (novo) cinema paraíso, ainda existia junto
com valores e pudores de tempos idos. Ao final, cenas de beijos, imagens que
hoje no horário nobre é coisa pouca. Mas, isso ainda não dá conta do que se
quer falar. É o encontro de mundos. Nesse momento e imagens e sons se cruzam com
magia em seu ponto máximo. É se deixar levar, aumentar o som e se deleitar com
a bela composição-tema de Ennio Morricone, aclamado e premiado criador de
trilhas de grandes filmes: A missão
(1986), Os intocáveis (1987), Bastardos Inglórios (2009), dentre outras
obras. Se não tiver nesse momento o filme busque no Youtube essa composição. Lá há um concerto de Morricone em Veneza.
É viagem e contemplação na certa. De tudo que se falou até agora, esse é o
filme Cinema Paradiso (1988),
dirigido por Giuseppe Tornatore, ganhador de Oscar e Globo de Ouro de melhor
filme estrangeiro em 1990, Cannes em 1989, dentre outras premiações. Aprecie!
E
para onde você iria nesse mundo dos sentimentos se tivesse que buscar uma
ligação com alguém que você tenha deixado no passado? O que faria se essa
pessoa fosse o amor conquistado... e por um capricho do tempo...perdido?
Um
jovem escritor de teatro, comemorando o sucesso de uma de suas produções, em
meio à badalação, convidados, atores, produtores, uma senhora abre caminho por
entre as pessoas, se aproxima do escritor e diz: "volte
para mim". E lhe deixa um relógio de
bolso. Ninguém entende, nem mesmo ele. Diante do sucesso outras peças deveriam
vir, mas o processo de produção é penoso e faz o jovem dramaturgo viajar para
espairecer, casualmente (quem sabe?) hospeda-se em um hotel antigo. Ali, no
museu no hotel descobre uma fotografia de 1912 de uma bela mulher, Elise
Mckenna (interpretada pela bela Jane Seymour), um olhar que remonta certamente
um belo momento de sintonia com algo ou alguém. Curioso busca mais informações
sobre a mulher e descobre ser uma aclamada atriz de teatro, que surpreendente é
a senhora que foi naquela noite de sucesso de anos atrás e lhe deixou o
relógio.
Dai
o que vemos é Richard Collier (Christopher Reeve) correr a fim de saber quem é
essa mulher, pesquisa, entrevistar pessoas, até chegar ao ponto de cogitar
voltar ao tempo, início da década de dez. Mas como fazer? Collier procura um
antigo professor para saber sobre viagens no tempo. Que momento! A sugestão, a
poderosa autossugestão pode ser o recurso. Mas é preciso criar um clima em
volta que possibilite essa ligação com o passado. Que grande trabalho Collier
desenvolver nesse sentido, que grande desgaste. É preciso cortar todas as
ligações com o presente. A mente precisa estar somente ligada ao passado, ao
encontro com Elise. Roupas, dinheiro, o relógio... Depois de muito esforço...
Agora Collier está em outro tempo e entre passagens cômicas de ambientação e
reconhecimento. Conhecendo pessoas, vivendo o que é possível em meio quem sabe
o sonho ou a realidade, encontra Elise. Encontra também barreiras, na figura do
agente da atriz, William. A trama vai se desenvolvendo assim como se desenvolve
a trilha sonora, bela! É preciso igualmente apreciar, John Barry (muito
conhecido por boa parte das trilhas de James Bond, dentre outros grandes
filmes) compôs e regeu a trilha. Igualmente é possível encontrar na grande
rede. Não vou contar o final do filme, sendo o filme de 1980, Em algum lugar do passado (dirigido por
Jeannot Szwarc) surpreende pela inventividade, pode ser que vocês já tenham
visto, se não, que tal uma volta ao passado... Mas...
No
entanto, o que é intrigante nessa história? Para quem se dispuser a ler o livro
de Richard Matheson (Em algum lugar do
Passado, Nova cultural, 1987; originalmente publicado em 1975, com título Bid Time Return) - autor da história e
de tantas outras como aquelas que igualmente serão base para filmes conhecidos
como Eu sou a lenda e Amor além da vida - verá algo que nos
faz pensar, logo no inicio da obra. O livro é esforço de compilação de seu
irmão Robert Collier, portanto obra póstuma, que na nota introdutória diz: “Além
de acreditar que o livro de meu irmão merece ser lido, há outro motivo que me
levou a querê-lo publicado. Francamente, sua história é incrível. Por mais que
me esforce, não consigo acreditar nela. Espero que sua publicação crie a
possibilidade de que alguém lhe dê crédito. Pessoalmente, acato apenas um
aspecto da mesma, aceitando-a sem reservas: para
Richard, este não foi um trabalho de ficção. Ele acreditou, sem sombra de
dúvida, ter vivido cada momento descrito”.
Fica
o mistério da criação, em meio à obra e o criador. Convite feito!
Luciano Magnus de Araújo