A lida matutina nos
leva bem cedo para o exercício do dever. A cidade acorda em seu ritmo. Pessoas,
carros, propósitos, gente, tempo correndo, pensamentos, sonolências, vida. Cada
um em seu jeito.
Choveu
muito na madrugada de domingo para segunda e muito ao longo do primeiro dia da
semana. A madrugada foi bem fria e tudo muito molhado, como ainda está por
essas horas, por volta de oito e trinta da manhã. Dia pra se ficar em casa, de
preferência.
Naquela
parte da cidade, lugar de comércio intenso, logo ali na Avenida Tiradentes, no
centro de Macapá, em frente a uma loja de telefonia, vê-se algo tocante: um
grupo entregue ao cansaço, vida que não tem para onde ir, sem casa, sem
cuidados, sem carinhos. Entregues a friagem de uma noite e dia chuvosos. Exaustos,
certamente, até que encontram um lugar de abrigo, um lugar onde vencidos por
tudo, ficam. Um bando, um grupo, um coletivo, seis vidas já bem gastas, quem
sabe por maus tratos. Vagando de lugar em lugar.
Há
quem possa dizer que o bando, o grupo, por força de estímulos que a mãe
natureza impulsiona segue uma cadela no cio, mas quem vai saber se não
acompanhar mais da história? Estão ali. Quem passa acha curioso o ajuntamento. Uma
fila recostada num muro. Pela imagem, por sua composição, qualquer registro no
tempo mostraria, ao menos naquele momento, a paz conquistada. Mesmo que o corpo
reclame, mesmo que todos e todas ali deitados e deitadas no chão “saibam” a
vida seguirá assim, sabe lá por quanto tempo. Até quem sabe a próxima esquina,
até quem sabe um próximo encontro dramático, quem sabe encontrem alguma
solidariedade, quem sabe...
Mas
já é dia. Daqui a pouco certas pessoas vão atrapalhar nosso sono, vão nos
colocar pra fora daqui e vagar é o destino conhecido. Quem sabe o grupo se
mantenha. Quem sabe não exista mulher a seguir, mas somente um protegendo o
outro. Encontramos essa saída, tem funcionado. Já passamos por cada situação! Ontem
como noite de frio, hoje como dia sem diferença. Quem viesse nos perguntar diria
que a vida não é nada fácil. Nascemos, nem sabemos o porquê. Vivemos assim,
muitas vezes no abandono. Somos criaturas que se um tanto mais de atenção e
cuidados seriamos grandes companheiros, amigos, protetores. E quem não precisa
disso tudo? Já viram nosso olhar o que carrega e mostra? Pararam pra falar
conosco na rua? Acham isso estranho vindo de um de nós? Mas que estranheza
vocês nos provoca, sempre sem jeitos e sensibilidades para conosco. Afastar
bruscamente, gritar, maltratar é um tipo de fraqueza que já percebemos faz
tempo, em vocês. Aprendemos na carne como a selvageria se mostra. E não somos
nós os selvagens ou irracionais. Nossas espécies são somente diferentes.
Mas
a conversa está boa. De uma consciência pra outra. Outro dia quem sabe nos vemos
por aí. Deixa ver se ainda ficamos um pouquinho mais por aqui, do lado mais protegido,
onde não é tanto do que não temos que sentimos falta. Nesse momento somos todos
iguais nesse recanto de mundo.
Luciano Magnus de Araújo
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