Quanto vale um
indivíduo consciente? Em um atual mundo onde as bravatas são explicitas
indicações da pobreza cultural e política de camadas da população que teriam
plenas condições de fazerem o movimento diferente daquele que se aproxima e
avizinha da mediocridade. Quanto vale um individuo consciente?
As realidades, tendo em vista que a
perspectiva é pluridimensional, nos permitem observar o panóptico da vida
social como num filme, mas nada linear. Passa diante de nossos olhos enredos e
dramas, conjurações e gritos. Entender o novelo e seu emaranhando das práticas
sociais é o desafio corrente. Mas é bem certo que o cotidiano sufoca o
individuo. Quando sintonizamos certos canais de televisão, quando compramos
certas revistas e jornais, quando defendemos e compartilhamos certas opiniões
como se fossem nossas, originais, muitas vezes não nos damos conta do quanto
somos coniventes com certas conjunturas. Os movimentos coletivos hoje são
condições a serem atentamente observadas. As práticas institucionais são
desdobramentos a serem cuidadosamente observadas. Devemos entender que o membro
de uma organização não é somente uma individualidade, ele representa também uma
ideia, uma predisposição, mesmo que hoje tenhamos hibridismos, mesclas, coisas
impuras nas ações desses coletivos, sejam políticos, burocráticos, estatais, culturais,
econômicos. Recai para todos e cada um o desafio da interpretação. Mas como interpretar,
como entender aquilo que é de difícil entendimento tendo em vista ser muitas
vezes criado para não ser fácil, claro, transparente? Permanece a questão,
quanto vale um individuo consciente?
Mas o que seria ser consciente em
dias de hoje, século XXI, num pais dito emergente, numa economia que inclu-exclui,
numa realidade política que caminha entre o claro-escuro, drama-comédia, numa
dimensão social que conjura-afaga quando é conveniente?
A politica enganosa do voto, o
desserviço de poderes públicos cuja representação é pífia, quando nenhuma; a
aura de ordenação de um Estado em ampla atividade manipulada por interesses
abortando o ideal do bem comum. Uma lista de indignações pode seguir quando se
coloca na mesa a insatisfação do coletivo, de certas camadas do coletivo. E até
mesmo a natureza da insatisfação precisa ser relativizada. Algumas parcelas
dessa população trilham caminhos que merecem observações. Qualquer conversa que
se desenvolva em mesa de bar, em roda descontraída de amigos e amigas resvala
para o tema político-econômico, e em meio às violências tantas. Os argumentos
levantados cumprem cartilhas as mais diferentes. O mote sempre será as
insatisfações individuais como janelas para se entender apelos de maioria ou de
uma totalidade. Argumentos convincentes, convencidos, vividos, especulados,
numa ampla gama de cores, são postos.
Nesse interim toda a violência
causada é como o recheio de comida indigesta. A violência que alcança os
indivíduos ao serem explorados em seus postos de trabalho, as apropriações
indevidas do bem público, o pai de família que é assassinado a queima roupa na
periferia, o cidadão que é esfaqueado em seu momento de lazer no bairro nobre, as
faltas de infraestrutura básica nas cidades, a representatividade sem valor do
político que não vê quem o escolheu, homenagens indevidas em câmaras e assembleias
de representação ofertadas a figuras de caráter público duvidoso... Mas, é
preciso pensar, o que está como ingrediente fundamental desse cotidiano. Por
que existem corruptos? Por que existem assassinos, menores ou não? Por que
existe ou resiste esse incómodo entre o que devemos fazer-pensar e não sabemos
definir o que seja? Há uma base profícua para a intolerância nesse não saber,
fortalece-se certa revolta como revide e vingança nesse contexto.
O incomodo posto ainda não está
sendo refletido, pensado em suas causas. Pensamos e sofremos as consequências,
mas as causas estão ali, gritando, evidentes, mas ainda fazemo-nos de olhos
cegos-ouvidos surdos. Causas pequenas compõem vastos dramas. A morte de alguém
pode repercutir urgentemente nos meios de comunicação, a morte de vários
‘ninguéns’, no máximo, tornar-se-á estatística fria e sem nenhum incômodo. Quem
defende o assassino menor pela sua origem? Quem busca a origem sociocultural
desse menor? Quem busca o maior abandonado pelas politicas publicas
ineficientes. A carta maior quando diz sobre todos os direitos fundamentais,
direitos, quando esses são de fato realidade? O discurso corrente hoje é
penalização; pena para quem, cara pálida? O cidadão comum deixou, faz muito
tempo, de ser inocente. Repartamos a culpa igualmente. Somos todos culpados
pela propriedade, pelo individualismo, pela opinião de todos os dias, pelo
conforto egoísta, pelo-não-fazer-por-não-ser-culpa-minha-nem-da-minha-conta. E
assim posso ser acusado de resvalar no mundo comum, comunista, de todos
igualmente. Será que estamos preparados para isso? Muitos dirão, como se
fizessem o sinal da cruz: “Deus me livre de uma sociedade comunista-socialista”.
Digo: “Deus me livre de um mundo competitivo, egoísta, de indivíduos apartados
como é esse nosso”.
Mas
isso repercute para quem quando se fala assim? Um indivíduo livre e emancipado
veria tudo isso de maneira diferente? Ainda uma velha utopia de uma sociedade contrária
à imagem do homem sendo o lobo do homem é algo irrealizável? Que ilusão é essa
que ainda temos que vivemos em uma sociedade ordeira? Vivemos um modelo
corrompido socialmente, um silencioso caos de procedimentos que vai nos calando
todos os dias. Somos nós os agentes da violência. O bandido repercute nossa
medida de pura inconsciência. Somos-estamos num momento ainda imaturos,
revoltados, inconsequentes em nossa cidadania. E quando uma incoerência
repercute em nosso meio, repito, vemos unicamente as consequências.
Para
não ser um monólogo inspirado, converso com Paulo Freire na obra Conscientização - teoria e prática da
libertação, uma introdução ao pensamento de
Paulo Freire (Centauro, 2001,
p. 23-24) quando diz: “Os políticos
populistas não compreendem as relações entre alfabetização e ‘conscientização’.
Obcecados por um único resultado – o aumento do número de eleitores –, deram
somente um apoio muito escasso, do ponto de vista político, a esta forma de
mobilização. Na realidade, raciocinavam de maneira muito simplista ante o
problema. Se um educador de fama oferece a possibilidade de alfabetizar em
muito pouco tempo o conjunto do povo brasileiro, ideal este desejado durante
décadas por todos os governos, por que não dar-lhe o apoio do Estado? Por isso
não compreenderam a agitação criada ao redor da pedagogia de Paulo Freire pelos
grupos de direita. Os políticos viram o Movimento de Educação Popular como
qualquer outra forma de mobilização de massas: em função de suas preocupações
eleitorais; e propuseram uma revolução verbal e abstrata, aí onde era
necessário prosseguir a reforma prática em curso. O educador, preocupado com o
problema do analfabetismo, dirigiu-se sempre às massas que se supunham ‘fora da
história’; a serviço da liberdade, sempre dirigiu-se às massas mais oprimidas,
confiando em sua liberdade, em seu poder de criação e de crítica. Os políticos,
ao contrário, não se interessavam pelas massas, senão na possibilidade de estas
serem manipuladas no jogo eleitoral”.
Nesse
sentido que a política, a prática politica cotidiana seja emancipadora,
libertadora, entendida, compreendida, problematizada. E ela está em todos os
lugares, indistintamente, em todas as escolhas, em todas as opiniões, em nós
quando dormimos e acordamos para um novo dia. Que pode ser mais um dia
aprisionado no mundo das ilusões e fantasias de bem-estar corrompido e
individual; ou, por outro lado, pode ser o resultado do distanciamento dessas
manipulações, sendo agora um individuo novo, um sujeito atento e ativo na
construção de um novo mundo, não somente para si, mas para todos,
indistintamente. Assim, quanto vale um individuo consciente? Esse indivíduo
vale o sonho e acordar para a liberdade. O valor desse individuo não é de ser
comprado nem vendido, é ser sendo sabedor de si-e-dos-outros.
Luciano Magnus de Araújo
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