A saudade, a
melancolia, a tristeza, as iluminações, o que mais a poesia e a prosa podem nos
legar? Alegrias, sublimações, pontes no tempo, cores, meios-tons, algum espaço
com pouca luz, mas não com sua ausência em totalidade. O terreno poético é
potencial. Quem escreve poesia observa o mundo de maneira diversa. Quem lê, mas
não produz, possui também outra visão de mundo, em comparação a quem não se
alinha a essa forma de expressão.
Mas
é preciso dizer antes de tudo que esse não é um texto com pretensões
acadêmicas, mas um bom momento de conversar com livros e com a música... É um
convite para quem acha que gostar de poesia teria algo mais que indicações de maneirismos.
E se existirem maneirismos? Quem está feliz a olhar a vida alheia? Enobreça a
sua, poesia leia, ouça, veja!
A
fala poética é rica, sugestiva, liberta enquanto meio. Fantasmas, encarceramentos
e cantos de liberdade existem e a poesia é senhora para dar as mãos as seus
criadores. As dores do mundo, em muito, chamam por ela. Ampla e democrática,
além de discursos, de zangas. A poesia é dama que se aproxima de muitos, de
muitas, nem todos se ligam a seu chamado muitas vezes, ou em geral, sutil. No
mundo poético palavras tomam formas, imagens são alimento para a alma. Mas o
poema não é somente escrito, pode ser sonoro, visual. Ouvir uma obra de Debussy
é elevar-se. Sugiro ouvir prelude al'apres midi d'un faune.
Como não se encantar com as imagens desse belo
poema sonoro. Mas para isso, para que esse encantamento aconteça não se exige
que a pessoa seja alguém além, maior, mais iluminado. É preciso educar-se.
Abrir o leque de possibilidades para além do que é apresentado. Ousar conhecer.
O novo pode ser difícil inicialmente, mas é importante ampliar vivências. Gosto
musical, gosto literário são conquistas no tempo. Não se nasce sabendo. Mesmo
que existam propensões, tendências. Educar-se é um ato de construção da
subjetividade. A subjetividade está em processo, não se completa. Estamos
sempre de encontro a novas provocações. Desfrutar e ser curioso, curiosa,
diante dessas provocações é desafio posto a cada um, a cada uma.
Num
dia de chuva, como esses que estamos a viver nas terras amapaenses, mês de
abril, como não provocar um paradoxo. De maneira sossegada ler uma obra cujo
título é Livro do Desassossego
(Companhia das Letras, 1999) de Fernando Pessoa. Que obra! É poesia em prosa em
sua melhor roupagem. Os fragmentos, passos de coisas pensadas e vividas, um
belo ajuntamento de observações que levariam a passos e paradas ao longo do
caminhar. Assim diria Pessoa: A análise
constante das nossas sensações cria um modo novo de sentir que parece
artificial a quem analise só com a inteligência, que não com a própria sensação
(Fragmento 135). Sentir e viver, pensar, não ser somente cerebral, mas ver
o que te incomoda à queima roupa? O que te faz sofrer, o que toca fundo na
alma? Os males da inteligência,
infelizmente,
doem menos que os do sentimento, e os do sentimento, infelizmente, menos que os
do corpo (Fragmento 140). Onde estamos aprisionados? Como nos aprisionamos?
Há muitos mistérios no existir. Há muito que se pensar diante do cotidiano. Achamo-nos
perdidos, muitas vezes estamos. Mas é preciso esforço para ver, encontrar o que
de motivo para negar o que não nos faz bem. Muitas vezes é luta de uma vida, muitas
uma vida não é o bastante. E uma lei de ouro: vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que
desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma
amabilidade de viagem (Fragmento 208).
Será que perdemos essa rota de amabilidades? A gentileza onde está? Será que a
máxima do homem como lobo do homem é forte em nosso tempo, um dia deixou de
ser? É no dia-a-dia que se faz a vida. Investir peso demasiado nas coisas,
pessoas, sonhos, muitas vezes pode ser iniciativa perigosa. Os apegos doentios,
os desapegos covardes. É preciso equilíbrio. O certo e errado são categorias
discutíveis, mas inegociáveis quando será provocado o pior para o outro. A
reação em contrário é instinto de proteção ou falta de educação? Eduque,
acolha, acalme, seja verdadeiro e terá inscrito um belo poema de vida. O
convite para desassossegar-se poeticamente, essencialmente está feito. A obra
de Pessoa é motivo para sempre retornarmos ao pensamento. Ao pensar sobre nossa
condição...
...e
pegando as mãos de Drummond
no poema Especulações
em torno da palavra homem, na obra Nova
Reunião – 23 libros de poesia, volume 2, Bestbolso, 2009), quando diz em
revolteios:
(...)
Como
se faz um homem?
Apenas
deitar,
copular,
à espera
de
que do abdômem
brote
a flor do homem?
Como
se fazer
a
si mesmo, antes
de
fazer o homem?
Fabricar
o pai
e
o pai do pai
(...)
Para
que serve o homem?
para
estrumar flores,
para
tecer conto?
para
servir o homem?
para
criar Deus?
Sabe
Deus do homem?
E
sabe o demônio?
Como
quer o homem
ser
destino, fonte?
Que
milagre é o homem?
Que
sonho, que sombra
Mas
existe o homem?
E pensar e refletir sobre nossa
condição. As escolas trabalham poesia ainda? Fomentam pensar por obras
poéticas? Por imagens? Se não o fazem, que pena! Que grande universo perdido.
Esse homem de Drummond que lê poemas será o que? Será já homem? Será
humanidade? Onde está perdido no tempo para um dia quem sabe se encontrar...
No tempo de hoje, onde tanta
crueldade se apresenta das mais diversas maneiras é preciso aliviar os dias. É
preciso criar meios de olhar esse mundo diferentemente do que se mostra. É
preciso agir e criar novas possibilidades de vida. E retorno a ideia, é preciso
educar-se como condição de não se deixar embrutecer. Só assim, a tão bela
imagem da liberdade possa nos pegar pelas mãos e nos inspirar a seguir em
frente...segurando outras mãos... Convite feito!
Luciano
Magnus de Araújo
Um comentário:
Muito lúcido seu texto. Tenho lido "coisas" que mostram um quadro negativo no que diz respeito à leitura e à produção poética. Infelizmente, a poesia anda um tanto esquecida. Basta ir a uma boa livraria para observar o que há de novo na poesia e não se encontra nada nas prateleiras.Claro que assim mesmo sempre se pode comprar uma edição antiga de algum poeta. Mas o que há de novo é em prosa, é científico, ou é de autoajuda.
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