Não
é de hoje que observamos, por conta da pandemia, os mais diversos dramas
decorrentes de um tempo de desafios. De perto ou mais distante o que ilustra,
figura, protagoniza, grita em seus lugares de vivência, torna explicito o que
ainda nos surpreende e atinge a todos, de alguma forma, indistintamente. Nesse
sentido, não custa um tanto mais de reflexão, ainda porque temos nesses
cenários diversos, trazidos e transformados pelo Covid-19, processos já
aprendidos e apreendidos, mas ainda muitas dúvidas e inconsistências.
Todos precisamos ganhar a vida, obviedade.
O trabalho, o sustento, a economia micro, pequena, média, grande, nos exige trânsitos
e estratégias, e vale refletir sobre como entendemos as maneiras que
profissionais e trabalhadores constituem suas atividades em nosso tempo mais
que preocupante. Nesse quesito certamente é preciso não perder de vista a
qualidade do trabalho (quando ainda há trabalho), do vinculo, da atividade, da
atuação geradora dos meios necessários para viver ou sobreviver. Nessa
condição, da existência da possibilidade de se organizar a vida tendo, também,
a exigência de se cumprir uma jornada de trabalho, devemos falar, por exemplo,
da realidade remota dessas atividades e suas implicações e desdobramentos; das
profissões da grande impacto de stress; da informalidade e seus movimentos; da
precarização e suas perversidades e sutilezas. Todos esses contextos recortados
pelas pressões psicológicas diárias são realidades que mais ou menos temos
alguma relação ou proximidade.
Tivemos que aprender a trabalhar à
distância, e aqui é preciso tratar do grande grupo, que incluído nas cifras da
empregabilidade, conseguem, ou estão tentando, cumprir produtividade, prazos, motivação,
função social. E aqui é preciso insistir sobre o grupo dos que somam as
fileiras que possuem o privilégio de uma fonte de renda, com contrato de
trabalho ou carteira assinada, que garanta a manutenção da vida, que podem
assumir o tão solicitado mantra de ficar em casa e se cuidar.
Hoje, para citar algumas atividades,
profissionais da educação, certos serviços burocráticos, sejam públicos ou
privados precisaram organizar-se em meio a modalidades de trabalho remoto no
então espaço privado do lar. A casa já não é o lugar onde se pode desligar das
relações e rotinas impessoais dos ambientes de trabalho. O lar tornou-se
extensão da empresa, da repartição, da sala de aula, com tantos arranjos dos
espaços de trabalho que a pandemia exigiu ser modificada e resignificada. E é nesse
ponto que temos problemas já sendo vivenciados e em potencial. A exigência de
aprender a ser e estar no mundo digital, condição do trabalho remoto, demanda
novas competências e condições estruturais. Saber conviver com plataformas e
rotinas entre sincronias a assincronias, ou seja, atividades presenciais ou não,
leva a outras temporalidades nos cenários domésticos. O email ou mensagem que
se recebe fora de hora (que hora é fora de hora atualmente?), retorno de
dúvidas e esclarecimentos; o comércio que por meio das redes sociais não deixa
descansar quem protagoniza o tão propagado chão do empreendedorismo cheio de
contradições. Desafios no nosso tempo em
desdobramento e campo farto para análises e estudos.
O trabalho de quem está nas linhas de
frente nos contextos da saúde é angustiante, nos chega de maneira profusa
noticias dessa realidade. Adoecemos somente em nos atualizarmos sobre os tantos
e tantos casos de infecção e morte diariamente, imagine viver esses eventos de
perto, no protagonismo de plantões de pleno cansaço e muitas vezes impotência. As
condições estruturais, as carências locais e regionais, os negacionismos e irresponsabilidades
são forças que competem com o trabalho abnegado dos coletivos de profissionais da
saúde. E desses, muitos estão doentes, não necessariamente pelo vírus, mas pela
sobrecarga de trabalho, em grande parte decorrente da falta de consciente adesão
da população brasileira em não subestimar o alcance da doença. Nesse caso, são
várias lutas sendo travadas ao mesmo tempo. Nem por isso gestores públicos, em
várias instâncias, colaboram positivamente. Muitas vezes são decisivos em atuar
para que o vírus tenha uma robusta ajuda em sua severa atuação. Assim estamos
em desvantagem.
Trabalhadores sem vinculo formal e
precarizados não estão distantes de viverem e testemunharem condições
insalubres. Um contingente vasto da população brasileira está, de alguma
maneira, protagonizando o desafio de criar estratégias de sobrevivência. A
falta de segurança de uma fonte de renda repercute por meio de comércio
fechado, cidades sem atividades comerciais, ruas paralisadas ou em ensaios
muitas vezes revelando desastradas decisões. Ainda que seja preciso parar para
conter o avanço da doença. Ainda que sem renda, como manter o mínimo indispensável
para viver? A encruzilhada está posta.
Aliado a esse conjunto de problemas e
ainda fazendo referência a perda do poder aquisitivo pela ausência de renda,
some-se um conjunto de politicas públicas ineficientes, quando muito paliativos
em meio a lutas justas, por um lado, e má vontade, por outro. Os auxílios
governamentais mostraram uma sociedade brasileira invisibilizada, mas ao mesmo
tempo deixou claro que, em situação de calamidade econômica e sanitária, para
uma considerável parcela da população e para pequenos e micro comerciantes, sem
a ajuda de um governo afinado com os desafios de nosso momento, não há
tranquilidade num cenário próximo.
Não é somente tratar de números (seja de
contaminados, óbitos, desempregados, desassistidos), mas é preciso levar em
consideração que as ideias que circulam podem ser tão nocivas quanto o vírus onipresente.
Estamos aprendendo a lidar com formas diferentes de sociabilidade. O momento e
lugar da vida privada já é outro. A experiência de trabalho agudizou cenários
com outras precarizações que revelam as tecnologias como meio controversos. As
relações, aproximações, reuniões, o estar em meio, seja na casa ou na rua, certamente
nunca mais será uma experiência que não inclua algum dos elementos que estão hoje
em nosso imaginário: distância, máscara, contágio, negação, vírus, morte e vida.
E ainda estamos aprendendo a duras penas.
Respiros
- Nos grupos em redes sociais observamos movimentos
de conversações, incômodos, estratégias
e saídas reveladoras;
- Há um silêncio na vizinhança, nunca mais se
ouviu música em altos volumes. Parece que vigora um respeito tácito. Ou será
tristeza diante dos números diários;
- A casa é um mundo, encontramos multidões e
faltas;
- Precisamos de vacinas!;
- Um exercício de escrita é retomado;
- Saudades da senhora, Vovó Lagoa: 04/04/1924!;
- O corpo ainda é pouco.
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