A vida em tempos de Covid-19 e variantes
impõe desafios cotidianos para as populações das periferias. É imperativo que
tenhamos em nossos contextos de reflexão e ação o entendimento que nem todos
vivem de maneira igual os desafios e dramas postos em tempos de isolamento
social, medidas restritivas, rotinas de trabalho, produção e circulação
diversas.
O vírus é seletivo, ao mesmo tempo em
que se mostra indistinto em sua atuação. A nocividade e alcance desse organismo
que precisamos respeitar e combater mudou nossa maneira de estar no mundo e de
nossa forma de construir perspectivas visando o hoje e o amanhã.
No Brasil de hoje as médias de morte se
aproximam dos três mil mortos diários, já ultrapassaram a cifra de mais de
quatro mil mortos em dias mais dramáticos. E quem são essas pessoas? Onde estão
situadas essas pessoas quando se leva em consideração os mais diversos estratos
sociais tendo em vista a economia, circulação e produtividade; os acessos aos
meios estruturais de sobrevivência, os requisitos de condições básicas em
ligação com politicas públicas?
Os dados sobre inclusão no mercado de
trabalho, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados)
apontam 14,3 milhões de desempregados no primeiro trimestre (14, 2% da
força de trabalho), fechado em janeiro, no Brasil. O desemprego leva a outras
estratégias para geração de renda, que por sua vez promove demandas nos setores
da economia quando se trata de gargalos de excesso de jornadas de trabalho ou
mesmo subtrabalho. O cenário da informalidade não é menos afetado pelo stress
da pandemia. Buscar inclusão, não encontrar renda, viver as carências
estruturais são indicadores de que o tempo que vivemos é de desafios. Nisso vivemos
entre demandas de emprego, desemprego, subemprego e precarização do trabalho.
Por outro lado, segundo dados do IBGE, por meio de dados da
PNAD Contínua, o que temos em muitos estados do Brasil é a redução da
informalidade, mas isso não equivale dizer o aumento de números de pessoas com
registro de emprego. A pesquisa em domicílios revela que essas pessoas perderam
seus postos de ocupação nos período que as pesquisas contemplam. No caso do Amapá
em três momentos: 2018 (20.2%), 2019 (17,4) e 2020 (14,9) termos uma redução
dessa informalidade o que aumenta a taxa de subutilização da força de trabalho compondo
assim o percentual de pessoas desocupadas. A informalidade compõe um contingente
de trabalhadores sem carteira assinada e empregadores sem CNPJ. Nesse mesmo
sentido seria possível observar um contingente sem seguranças trabalhistas e
garantias econômicas que em tempos de pandemia contextualiza as incertezas e dramas
da insegurança alimentar que, se já atingia a cifra de 10,3 milhões de pessoas,
em patamares graves em dados de 2018 (dados da Agência IBGE Notícias), nos
permite imaginar que num cenário de restrições de atividades comerciais e
condições normais de circulação tornam-se mais agudas.
Diante de tais cenários, nas sínteses e
impessoalidades dos números, pessoas de carne e osso, mesmo que invisibilizadas
nas periferias e agora descobertas ou incluídas por politicas públicas
vacilantes e deficitárias, dão a tônica de episódios trazidos pelas intermitências
da onipresença letal do vírus.
As periferias urbanas são compostas e
vivamente dinamizadas por realidades que merecem valorosa e séria atenção. Essas
populações que fazem parte de contingentes tão variados exigem iniciativas contundentes.
Os atores e sujeitos das tramas periféricas das urbanidades protagonizam a
urgência da vida, a criatividade das condições, os arranjos e estratégias que
muitas das vezes o momento não negocia. Andar por essas localidades, observar,
dialogar e construir laços de colaboração é de alguma forma estar em meio a
movimentos que não eximem responsabilidades de agentes exteriores. Aqui não se
pretende romantizar as periferias, mas apontar o quanto nesses lugares o que
impera é a construção de saídas diante das suscetibilidades.
Com a pandemia vive-se em meio a
decretos municipais ou estaduais que ora impedem o comércio para além de tal
hora, por vezes veta as atividades nos finais de semana. Essas mesmas medidas
dos gestores, por mais que necessárias para contenção do alcance da pandemia,
nem sempre vem acompanhadas de auxílios para aquisição de itens básicos, como
água potável, material de higiene, alimentos. A vulnerabilidade tornou-se
explicita nas periferias das cidades. A solidariedade é força de vida. A
informalidade e os movimentos para criação de alguma renda possível é urgente.
E nesse sentido, redes sociais, grupo virtuais surgem como meios de divulgação
de serviços, ofertas de vendas, um verdadeiro mercado de bens e trocas que
sinalizam rearranjos em tempos onde espaços e movimentos para atividades comerciais
normais estão descontinuadas. Acompanhar cotidianamente esses grupos nas redes
sociais no mundo digital é ver como em mais de um ano de pandemia os processos
se atualizam e ganham força.
De forma semelhante, mas ainda de
maneira a destacar a força do presencial, vemos a ação de grupos, coletivos, em
associação, mobilizando doações e o trabalho de colaboradores e voluntários,
deixando claro que, na incompetência e inação por parte de gestores públicos, iniciativas outras
ocupam lacunas, criam capilaridades, chegam aos mais necessitados e formam lideranças
e protagonistas. Para citar alguns atores e agentes organizados, alguns
atuantes há tempos, outros que se organizam na contigência dos acontecimentos
dão a tônica dessa força de mobilização: a CUFA (Central Única das Favelas) e
seu alcance nacional; O G10favelas (grupo formado pelas favelas da Rocinha
(RJ), Rio das Pedras (RJ), Heliópolis (SP), Paraisópolis (SP), Cidade de Deus
(AM), Baixadas da Condor (PA), Baixadas da Estrada Nova Jurunas (PA), Casa
Amarela (PE), Coroadinho (MA) e Sol Nascente (DF)); em ação local, a atuação do
Coletivo Utopia Negra Amapaense, frente organizada que congrega ações politicas
via o entendimento da negritude e que não se furtou a estar presente nesses
processos de resistência e solidariedade junto às periferias de um estado
periférico do norte do Brasil (um pais periférico), de maneira ativa,
colaborativa e organizada.
Esses grupos
e iniciativas somam ações, assim como tantas outras com número mais reduzido de
participantes, ou de alcance menor, mas que congregam dinamizar, solidarizar,
ocupar espaços na ausência ou demora de politicas públicas. As pautas são
cotidianas, urgentes, de vida. A pandemia obriga movimento, ativas iniciativas,
articula necessidades que se encontram no momento de sanam a carência de água
para beber, a comida do dia na marmita, a cesta básica da família, o
atendimento de saúde para os necessitados. Mas não são esses os limites,
mudanças estruturais e conjunturais são as metas. Como dito, não se trata de
romantizar a pobreza nem as periferias. As desigualdades são flagelos a serem
mitigados e acabados, mas para isso é imperioso a participação do poder público,
com politicas públicas eficientes e rápidas e uma sociedade que se veja no
espelho dessas desigualdades.
A pandemia é uma realidade, as
periferias são parte da obra controversa de uma sociedade de exclusões, ausências
de perspectivas, precariedades. Um dos desafios igualmente postos será explicar
para as próximas gerações o que foi esse evento atroz, como resolvemos suas
exigências e quem fomos nós no tempo que nos obrigava a viver em meio a perdas
diárias, aprendizados por força do medo ou da descrença, desmandos
negacionistas e necessidades gritantes. Se o futuro nos julgará, temos o
aguardo do tempo, o hoje já mostra sua face austera.
Respiros
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Problemas de transmissão de energia mostram ser um dos fantasmas que assolam o
Amapá: mais um momento de apagão em quase todo o estado;
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De segunda à sexta espera os respiros criativos do sábado e domingo;
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Que consigamos todos superar as saudades das perdas;
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Acreditar mais nos alunos que nos professores;
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Quando a instituição de ensino deseduca em seus processos burocráticos, quê
fazer?
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